Migrantes motivam exposição de Lourival Cuquinha no MAM-SP

Artista pernambucano tensiona questões ligadas a fluxos migratórios com personagens reais
Bruno Albertim
Publicado em 26/06/2016 às 7:28
Artista pernambucano tensiona questões ligadas a fluxos migratórios com personagens reais Foto: Divulgação


Ainda em 2013, Lourival Cuquinha caminhava por Paris quando se deparou com um imigrante da Costa do Marfim vendendo réplicas em miniatura da Torre Eiffel. “Comprei todas por 100 dólares e o fotografei com elas. Depois, imprimi numa flâmula costurada com 100 notas de um dólar”, diz ele, que exibiu, ano passado, a obra na cerimônia do prêmio de arte contemporânea Marcantonio Vilaça, no Ibirapuera. Cuquinha ainda não sabia, mas iniciava ali uma série em que estetiza as tensões contemporâneas sobre um mundo que sabe cada vez menos o que fazer com suas fronteiras. Inaugurada esta semana no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, “Transição de fase” é a mais nova série do artista pernambucano.


"No futuro, as fronteiras devem se diluir pelas próprias contradições e empurrões do ‘sistema’”, acredita o artista que, justamente quando era migrante no Reino Unido, deu início a seu projeto artístico mais contudente. Usando dinheiro de verdade na famosa série de bandeiras, o pernambucano questiona e tensiona os fluxos de capitais e valores. Subjetividade e coletivismo, inclusão e marginalidade, estão potencializadas como contradições de sua poética.


Neste século 21 em que os fluxos migratórios são comparáveis apenas ao que se viu no início do século 20 - 160 milhões de pessoas vivendo fora de seus países de origem, segundo a ONU - essa população flutuante também imprecisamente coagulada em ruas de cidades como São Paulo e Recife serviram de reflexão e catalizador para a arte de Cuquinha. Ele transformou o contato deliberado com esses homens e mulheres sem CEP definido em método.


Como eixo, o comércio de objetos capazes de viabilizar a existência dessas pessoas em geografias impensadas. Em parceria com a esposa e jornalista Tatiana Diniz e a escritora e cineasta Mariana Lacerda, Cuquinha montou uma equipe “poliglota” para abordar, sobretudo ano passado, migrantes nas ruas. “Quando o imigrante concordava em participar, comprávamos o objeto à venda e registrávamos em fotografia a fronte e as costas desta pessoa”, ele conta. Em acordo, cada personagem recebia, pela fotografia, o mesmo valor do objeto de seu comércio. “Foram alguns muitos dias de trabalho conversando, negociando, entendendo palavras/dialetos e afetos daqueles que migraram para o Brasil e trabalham como ambulantes no centro de São Paulo. Entendemos que basta olhar no olho para se fazer entender. Constatamos em plena São Paulo nervosa, ‘cidades’ igualmente africanas com leis e dinâmicas próprias”.


Como resultado objetivado, “Transição de fase” é um conjunto de cem imagens de tamanhos variáveis, impressas em cobre, dispostas como um microcosmo imagético nunca plenamente definível desse população imprecisa. Ao pé de cada imagem afixada na parede, está uma amostra do objeto. “Não interessa apenas o imigrante, mas o imigrante que é ambulante. Ele acaba tendo uma apropriação do território que é bem maior com a cidade do que a de um morador que vive seus roteiros previamente traçados”.


Numa metáfora à motivação econômica que os move, as placas de cobre têm tamanhos proporcionais aos objetos vendidos. Como discorre, no texto de apresentação da exposição, Mariana Lacerda discorre sobre :Ele próprio é o corpo deslocado de sua origem por forças de um trabalho planetário que a economia impõe (...) desloca corpos para vender coisas em centros urbanos – onde se situa o dinheiro. Nessa análise, ele é uma interseção subjetiva entre sujeito que se desloca e aquele que é deslocado”.

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