Uma mala. De madeira, bagagem suficiente para um bom percurso. Nas paredes laterais, duas telas paralelas, cuidadosamente calculadas para evitar moscas e outros insetos. Com esse objeto, o artista pernambucano José Paulo materializa, poeticamente, a subjetividade coletiva de uma região marcada pelo êxodo. “Quando estava em Garanhuns, fiquei impressionado com as ‘gaiolas’ de telas usadas para secar carne contra insetos. A carne de sol é um símbolo do gosto, da comida da mãe, do sabor da região que ficam na nossa sensibilidade. É uma espécie de homenagem a essas pessoas que precisam migrar”, diz ele, sobre a obra Saudade Danada, um dos elementos da exposição Três Cidades, que entra em cartaz, amanhã, na galeria Amparo 60.
O objeto-instalação que parece, de forma muito particular, confirmar aquela antiga assertiva de Câmara Cascudo sobre o fato de que o paladar sintetiza, no homem, o que ele tem de mais pátrio, é um dos frutos do último projeto de incursão artística de José Paulo pelo interior pernambucano. Com incentivo do Funcultura e apoio do Sesc Pernambuco, o artista tinha como compromisso realizar uma individual em três cidades do interior: Caruaru, Garanhuns e Petrolina. Confirmando a premissa que mover-se é, necessariamente, catalisar o metabolismo criativo, José Paulo preferiu interagir pessoalmente com as paisagens humanas nas quais pretendia expor. “Resolvi encampar uma dinâmica de vivência, produzir rituais de convivência nessas cidades”, ele diz.
Como os artistas visuais materializam, em maior ou menor concretude, suas reflexões, o resultado do projeto é uma série de elementos que nos servem como ponto de partida para entender como as relações do homem com a espacialidade e as dinâmicas sociais por ela contingenciadas se reprocessam nessas cidades. Para além das imagens vitrificadas no clichê, José Paulo nos apresenta novos ethos do chamado homem interiorano. Os resultados passaram pelo crivo curatorial da também pernambucana Clarissa Diniz. “A viagem nos convoca a inventar aquilo que nos é estranho, levando-nos a recriar, por outro lado, também aquilo que nos é comum. Não à toa, artistas sempre vislumbraram, nas viagens, um potente exercício sensível, fazendo do ato de viajar um inquietante processo de criação. É o que fez José Paulo”, escreve a curadora Clarissa Diniz.
Em Belo Jardim, o artista se deixou impressionar com a abundância de revestimentos cerâmicos baratos e de gosto certamente banido pelas publicações e escolas de arquitetura responsáveis por categorizar o bom gosto nas fachadas do velho e do novo casario. O resultado de sua reflexão é o simulacro de uma praça numa instalação que nos impõe esse ambiente clássico de convivência interiorana. “Em algumas casas, chega-se a usar entre cinco e seis tipos diferentes de cerâmicas. É um fenômeno de mercado que está entrando na esfera da cultura, é uma epidemia, uma ‘doença’ de pele que muda um padrão patrimonial e de visualidade já consagrada nessas cidades”, reflete o artista. “Ao mesmo tempo, há um gesto de zelar, de cuidar”, diz João Paulo, cronista de seu tempo e, a seu modo, um pensador da nova forma como vamos nos estruturando em cidades.
Cidades, de José Paulo. Abertura: amanhã, para convidados, às 19h. De 2/9 a 7/10. Galeria Amparo 60, Av. Domingos Ferreira, 92, Boa Viagem. F.: 3033-6060.