FORTALEZA – Dois séculos de história da fotografia mundial estão reunidos no recém-inaugurado Museu da Fotografia de Fortaleza – MFF. Lá estão expostas 440 obras de um dos maiores, mais ricos e mais importantes acervos de fotos do Brasil que fazem parte da coleção pessoal de Paula e Sílvio Frota, com cerca de 2500 obras. “Tudo começou há nove anos quando me deparei com A Menina Afegã, de McCurry, em uma exposição nos Estados Unidos. Existem 25 originais pelo mundo e uma delas foi a primeira da nossa coleção. Foi uma paixão que tomou conta de mim e a partir daí comecei a ler, estudar e frequentar galerias, leilões e feiras de fotografia. Eu já colecionava pinturas desde a década de 80 e me arrependo por não ter começado antes. Muitas vezes, a imagem repercute, mas ninguém se preocupa com o profissional. Decidimos construir esse espaço para toda a sociedade ter acesso a essa arte. O Museu é uma homenagem aos fotógrafos e eu recomendo aos colecionadores que invistam. É um mercado em plena ascensão”, aconselha o empresário cearense Sílvio Frota.
No museu, estão reunidas fotos isoladas, fotorreportagens, arquivos fotográficos, cineclubismo, retratos, paisagens, crônicas visuais, tanto de autores brasileiros quanto de estrangeiros, cobrindo um amplo recorte da história da fotografia. Obras dos consagrados fotógrafos Steve McCurry, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Dorothea Lange, Man Ray, Evandro Teixeira, Miguel Rio Branco, Mario Cravo Neto e Sebastião Salgado, ao lado de desconhecidos artistas regionais, todos unidos pela beleza de suas composições.
Contemplar A Menina Afegã, fotografia da jovem muçulmana Sharbat Gula, retratada por Steve McCurry após perder os pais durante a invasão soviética ao Afeganistão, em 1984 – imagem que se tornou capa da revista National Geographic – é uma experiência impactante. A força do olhar que chamou a atenção do fotógrafo também atrai os visitantes: não à toa é considerada um ícone da fotografia contemporânea sendo comparada muitas vezes à Monalisa. A obra-prima de McCurry faz parte da mostra Um Imaginário de Cidades.
No primeiro andar, o visitante começa sua “viagem” através do olhar de Joe Rosenthal, que captou um momento histórico, em 1945, quando o Exército dos Estados Unidos conquistou a ilha Iwo Jima no Pacífico e segue pelos primeiros registros da tribo Zoé, feitos por Rogério Assis em 2009. Na visita, é possível conhecer o fotojornalismo artístico de André Cypriano, com seus surfistas da comunidade da Rocinha, dispostos lado a lado à beleza das linhas do flagrante feito em 1970, mostrando mulheres sentadas no calçadão de Copacabana, por Bina Fonyat. A sequência quase lúdica é contraposta pela dureza do realismo de Evandro Teixeira registrando a Ditadura Militar.
É também neste andar que está o instante decisivo perpetuado em Gare de Saint Lazare (Estação de São Lázaro), de Henri Cartier-Bresson, sempre em destaque por sua importância no universo da fotografia. Presente em todas as edições quando o assunto é o ensino básico da fotografia, Bresson está entre os dez mais importantes e influentes fotógrafos da história. Ao lado do mestre, conhece-se um pouco mais do fotojornalismo de Victor Dragonetti, um jovem profissional paulista que busca unir um novo conceito artístico à imparcialidade do jornalismo. Mantendo seu foco voltado para a imersão nos movimentos de ruas paulistanas, Dragonetti foi prêmio Esso e hoje é festejado nas galerias pelo frescor que conseguiu imprimir à linguagem.
A criatividade e a inovação na maneira de expor são também percebidas no trabalho Baldes, de Patrick Hamilton, feito com backlights, em que baldes espalhados no centro da sala trazem fotos iluminadas de metrópoles fotografadas à noite. Em outro enfoque, podem ser vistas imagens abstratas, baseadas na experimentação a partir dos anos de 1930, fortemente marcada pela experiência da arquitetura modernista e suas bases racionalistas, assim como pelas transformações que as cidades modernas provocaram na percepção do espaço e das condições em que vivemos hoje.
A mostra é uma evocação às cidades e à vida nos espaços urbanos, retratando lugares, pessoas, arquitetura e história. “A História da fotografia, iniciada em 1826, está diretamente associada à história das cidades modernas, suas fundações e transformações. Paris foi copiada em diferentes lugares do planeta graças à fotografia, assim como as curvas de Brasília foram a propaganda de um Brasil moderno. Desde os antigos daguerreótipos até as câmeras digitais acopladas em celulares, a fotografia vem produzindo memórias e ajudando a registrar a humanidade nos últimos dois séculos” explica Ivo Mesquita, curador do MFF.
Um significativo conjunto de imagens de crianças e seu imaginário recebeu uma sala especial chamada Sobre Crianças, eternizando situações familiares, sentimentos de amizade, as vivências na escola, o lazer, a violência e o trabalho precoce. São imagens que não articulam uma narrativa contínua, mas sugerem possibilidades de relações, diálogos e contrapontos, conforme a história de cada um.
Além de servir para contemplação e reflexão, a mostra foi pensada para educar o olhar, funcionando como uma porta para o conhecimento. Sobre Crianças é parte do programa que o MFF vai desenvolver junto às escolas e comunidades. A intenção é que o museu não seja estático e extrapole as paredes do imponente prédio do bairro de Varjota, indo às comunidades carentes para a educação, especialmente das crianças, ensinando a mágica da luz através das artesanais câmaras pinhole. Com as imagens fotografadas pelos alunos serão realizadas exposições em seus bairros e as selecionadas serão expostas no MMF. Palestras, oficinas e cursos para terceira idade também serão oferecidos.
No segundo andar, podem ser apreciadas imagens sobre o Nordeste e o Norte do Brasil, um capítulo importante da história da fotografia no país, narrado por autores locais e demais fotógrafos que documentaram a região. Uma seleção de trabalhos de sucessivas gerações de fotógrafos, com imagens atuais e históricas, de paisagens que vão do mar ao cerrado, dos diversos tipos humanos que por aqui vivem e trabalham.
Pelo olhar de Chico Albuquerque, José Medeiros, Pierre Verger, assim como dos contemporâneos Jean Manzon e Marcel Gautherot, observa-se a origem da construção de uma identidade brasileira e o surgimento de uma linguagem fotográfica que influenciou a estética do Cinema Novo.
Na seleção, estão os trabalhos da Cia de Fotos, com seu Carnaval 2010, de Mario Cravo, Miguel Rio Branco, Dorothea Lange, Yuri Firmeza, Man Ray e Fernando Lemos, merecendo destaque a obra do pernambucano Luís Santos. Nela, o artista mostra seu olhar versátil, em um grande mosaico de cenas cotidianas divididos em conjuntos de três imagens que dialogam entre si.
Em 1942, o fotógrafo cearense Chico Albuquerque, com 25 anos, foi convidado para ser fotógrafo de uma cena do filme It’s All True, de Orson Welles, um dos mais importantes e originais diretores de cinema do século 20, Welles, que estava rodando em diversos locais do Brasil, incluindo Fortaleza, nunca concluiu o documentário, mas foi, segundo o próprio Chico, o grande responsável por fazê-lo entender o sentido da linguagem fotográfica e o poder da sua poética.
Embora nascido em uma família de fotógrafos, foi neste encontro com o genial criador de imagens cinematográficas que Chico Albuquerque teria percebido o sentido da linguagem fotográfica. É a partir daí que ele próprio define a singularidade de seu estilo, particularmente marcado por uma estética voltada para o cinema, que confere um caráter épico aos seus ensaios sobre o Ceará. Trata-se do momento de afirmação de uma visualidade regional que terá imensa repercussão e influência na constituição de uma identidade visual brasileira, moderna e contemporânea.
Além das imagens em outras exposições do museu, o fotógrafo cearense Chico Albuquerque tem uma sala especial, abrindo as celebrações do seu centenário.
*O fotógrafo viajou a convite do MFF