Amparo 60

Exposição 'Pictoria' encontra elo entre Delson Uchôa e José Patrício

A exposição ocupa a galeria Amparo 60 com obras dos dois pintores nordestinos. A curadoria é de Julya Vasconcelos

João Rêgo
Cadastrado por
João Rêgo
Publicado em 08/08/2019 às 14:19
Divulgação
FOTO: Divulgação
Leitura:

Dentro do ultra-formalismo estrutural e no cerne da reinvenção dos moldes tradicionais, há uma pequena intersecção entre as obras de dois grandes pintores nordestinos. De um lado, o pernambucano José Patrício com seu método matemático – a prolífica repetição de formas em estruturas rigorosamente calculadas. Do outro, o alagoano Delson Uchôa com uma geometria sensível – um trabalho mais intuitivo e igualmente questionador. Em comum entre eles: uma explosão de cores, elo explorado pela exposição Pictoria, que tem início nesta quinta-feira (08) na galeria Amparo 60.

“O que me saltou mais aos olhos foi essa investigação do uso de pigmentos não tradicionais, do objeto como pigmento e do módulo como pigmentação. Ambos estão trafegando na pintura expandida, então tentei entender que tipo de investigações os dois fazem nesses lugares muito maleáveis. Por isso a exposição tem essa cara de uma explosão de cores. Eu queria que elas saltassem à primeira vista no rosto das pessoas”, explica a curadora da exposição, Julya Vasconcelos.

Para José Patrício as semelhanças também têm uma forte ligação com a origem dos dois. “A questão do cromatismo tem muito desse vínculo com a região que a gente vive. O Nordeste é cor, é luz, o que de alguma forma favorece esse esplendor da cor. Por outro lado, também há um certo uso das pinturas não tradicionais. Não é uma pintura canônica. A pintura de Delson se utiliza de diversos materiais que fogem disso. No meu caso a mesma coisa”. Nesse ponto Delson é mais incisivo: “Somos dois paraíbas, juntando o que o João separou: a capitania de Pernambuco. Somos a mesma coisa, completamente diferente”, brinca.

No total, a curadoria selecionou doze pinturas de cada artista, trazendo variados trabalhos com suas características marcantes. Delson, por exemplo, expõe obras que radicalizam de diferentes formas suportes convencionais. Em uma delas, uma espécie de grande luminária chinesa (Esférico Zigoto Chinês) torna-se uma pintura objeto. Já em uma das obras da série Bicho da Seda IX, o artista trabalha com uma das suas novas obsessões cromáticas: a cor poliéster chinesa.

“Comprei essas sombrinhas chinesas com a coloração como quem compra pigmento. Depois disso fui em busca de paisagens no Sertão. Nesse caminho descobri que aquilo também podia falar sobre coisa séria. Eu entrei num campo de geopolítica, da globalização – o pigmento era fruto de trabalho escravo na China. Então eu o coloquei contrastando com uma paisagem – aquele pigmento estranho, perverso se tornou um pixel no espaço. Eu estava transformando aquela paisagem naturalista em transgênica, decodificada a minha cor, meu sabor e também expandido a minha pintura”, explica.

Esse cenário foi menos perverso para José Patrício. Segundo ele, a globalização foi uma das pulsões que direcionaram seu trabalho para um novo caminho. “Meu primeiro momento de descoberta desse aspecto geométrico e matemático foi logo depois que eu encontrei uns jogos de dominó chineses. E isso me despertou para uma dimensão do meu trabalho que não envolvia só estruturas matemáticas. Todos esses moldes, esses elementos, estão vinculados também a cor”.

Suas obras na exposição exemplificam bem essas características. Utilizando-se de pouco ou quase nenhuma tinta, canetas hidrocor, selos e pequenos botões são postos calculadamente em sequências cromáticas, propondo variadas significações. A principal delas, talvez, está codificada por um ponto central vazio; uma peça faltando – a desestabilização máxima dos princípios do começo, fim, e infinito.

Divulgação
Série Bicho da Seda IX, 2012. Autor: Delson Uchôa - Divulgação
Divulgação
Pintura objeto - Esférico Zigoto Chinês, 2015-2019. Autor: Delson Uchôa - Divulgação
Divulgação
Afinidades cromáticas XLIII, 2019. Autor: José Patrício - Divulgação
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Delson Uchôa dentro do Pericárdio - Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Obras de Delson Uchôa - Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem

Além das pinturas, Patrício também exibe na exposição um projeto audiovisual. Camaleão 2 traz 41 obras do artistas com a mesma dimensão, em uma sequência de sobreposição. “É uma repetição que sempre traz um resultado diferente. Em um movimento aleatório, nunca se sabe o que vem em seguida”, comenta o artista. Cada trabalho no vídeo, segundo ele, conta com 6399 botões, sempre com um espaço central vazio. Uma formulação matemática que trabalha e questiona simultaneamente sobre a pintura.

OUTRAS DIMENSÕES

Mas não apenas isso. Não estamos diante de um radical ultra-formalismo, com pouco espaço para outras significações que não os questionamentos estruturais da obra. O trabalho de José Patrício segue outro caminho; há uma dimensão maior presente na escolha dos moldes utilizados. Os botões, por exemplo, preservam uma memória afetiva do artista, e ainda mais: uma documentação histórica, apreendida pela arte, de um objeto que vem caindo cada vez mais em desuso.

O mesmo serve para Delson, seu trabalho herda muito da sua relação com a medicina. A temporalidade presente nas resinas e a composição geométrica das obras, aproximam suas pinturas da extensão da pele. Limite que se torna ainda mais turvo na sua obra Pericárdio – uma reinvenção do arredor do coração através da potência da cor vermelha.

Últimas notícias