Vinhos eslovenos repousam no fundo do mar

EXÓTICO Pouco conhecida no Brasil, vinícola Kabaj quer chegar ao mercado pernambucano
Bruno Albertim
Publicado em 10/04/2018 às 19:23
EXÓTICO Pouco conhecida no Brasil, vinícola Kabaj quer chegar ao mercado pernambucano Foto: Divulgação


O vinicultor Jean-Michel Morel, 52, ajeita a gravata-borboleta verde e garante: “Os pernambucanos vão beber este vinho”. À frente da empresa aberta pela família há 25 anos na Eslovênia, ele começou no Recife uma série de encontros com especialistas e formadores de opinião, com o objetivo de fazer com que esta promessa se torne realidade.

Num restaurante da Zona Norte, abriu garrafas para sensibilizar os paladares presentes. Seria apenas mais um a cativar o mercado local, não fosse Morel apresentar, pela primeira vez, rótulos de um pouquíssimo conhecido país do Leste Europeu, pouco menor que Pernambuco, de onde saem vinhos absolutamente fora da curva: únicos, raros e, mantendo a rima inevitável, caros.

“Eu mesmo não bebo sempre os vinhos que faço. Mas não sou tão rico para poder me dar ao luxo de beber o que não presta”, diz ele, cujos vinhos mais especiais chegam a custar cerca de US$ 500. Seus vinhos mais “simples” custam cerca de US$ 60 na América do Norte ou Ásia. Como, na Europa, cada país tem por tradição consumir o próprio vinho que produz, os rótulos de Morel, sob a marca Kabaj, ramente são bebidos pelos vizinhos. A uma hora e meia de carro de Veneza, a Eslovênia faz limites com a Áustria, a Hungria, a Croácia, a Itália e o Mar Adriático.

É na região mediterrânea do país que está instalada a vinícola Kabaj, de propriedade da família de Morel e dona do status de principal vinícola do país. Sob os rótulos elegantes e minimalistas da Kabaj, saem entre 60 mil e 80 mil garrafas dos cerca de 300 milhões de litros de vinhos produzidos por ano em toda a Eslovênia – uma marca impressionante para um país com pouco mais de dois milhões de habitantes, quase o mesmo que apenas o Recife, sozinho.

Além de serem, na maior parte, produzidos com uvas autóctones eslovenas, além de clássicas inevitáveis como cabernet sauvignon, os vinhos de Morel chamam atenção pelo método de produção. “Não acredito nessas tendências de mercado. Nesses críticos que dizem que temos que ter esse ou aquele estilo, isso é impossível”, diz ele que, enquanto despreza o crivo de Robert Parker, Jancis Robinsons e outros críticos capazes de alavancar a carreira mundial de um rótulo depois de alguns goles seguidos de breves opiniões, é também celebrado pelas bíblias especializadas com a qual parece pouco se importar. A revista norte-americana Wine & Spirits inclui a Kabaj entre as cem mais importantes vinícolas do mundo.

Na hora da vinificação, Morel despreza, por exemplo, os grandes tanques de maceração e fermentação do grosso das vinícolas mundiais. Prepara seus mostos numa espécie de grandes ânforas de cerâmica enterradas em até quatro metros de profundidade. O procedimento lhe garante a perda de pelo menos 20% do volume líquido – o que, naturalmente, contribui para o encarecimento final dos produtos. Produto, aliás, é palavra que ele não gosta de aplicar ao que faz. “O que diferencia os vinhos da Eslovênia dos do resto do mundo é que são feitos com arte e tradição, não pela lógica mais estreita dos produtos”, ele diz, insistindo que qualquer vinho, para ter o mínimo de qualidade, precisa de tempo para amadurecer adequadamente antes de ir para o mercado. Mesmo os brancos.

Feito com a uva de mesmo nome, o Rebula 2013, apresentado no Recife, é um branco que passou 30 dias de maceração e dois anos em barrica, além de um ano em garrafa antes de ser vendido. De ótima acidez, persistente e cremoso, é também fresco, mineral, com notas de mel e jasmim. “Não acredito nesses descritivos de aroma e sabor do mercado”, ele diz. “Cada um tem seu paladar e olfato”. Na aparência, lembra um conhaque. O processo de amadurecimento faz com que, em vez de brancos, seus vinhos claros sejam chamados de “laranja’. “Laranja é apenas o vinho como se fazia antigamente”, rubrica ele.

A extravagância de métodos do produtor com os vinhos eslovenos chega ao requinte de manter um corte (80%, Merlot; 20%, Cabernet Sauvignon) estagiando em garrafa por dois anos no fundo do Mar Adriático. Avesso a testes de PH e outros facilitadores laboratoriais, ele constatou que o mar “acelera os processos de evolução do vinho”. É o vinho mais caro de seu portfólio, complexo em seus aromas, marcados por frutas vermelhas, vendido sob o perfume e as marcas da maresia do Adriático no rótulo. Um importador local já está trabalhando para trazer o Coral Wine 2011, além dos outros, “mais simples”, para as gôndolas pernambucanas.

WORLD WINE

A semana enológica está especialmente movimentada. Hoje, às 19h, o Restaurante Amadeu, em Boa Viagem, recebe o World Wine, um painel de provas de 32 rótulos, da Argentina, Chile e Uruguai, premiados pelo Guia Descorchados, o maior guia de vinhos desses países. A entrada custa R$ 100, com R$ 50 revertidos em compras. Informações podem ser obtidas pelo 3327-3270/99441-4100.

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