Cada vez que estreia um longa-metragem dirigido por Quentin Tarantino o cinema fica em festa. Afinal, os filmes do intrépido cineasta americano, que completa 50 anos em março, são hinos de louvor à criação cinematográfica. Django livre (Django enchained, 2012), seu oitavo longa, que invade hoje os cinemas do Recife e Região Metropolitana, é outra de suas magistrais e absurdas invenções, com diálogos e imagens que deixam os expectadores em êxtase.
Candidato a cinco Oscar, inclusive Melhor Filme, o filme mostra Tarantino em sua melhor forma – uma forma que ele vem mantendo desde o não menos sensacional Bastardos inglórios (Inglourious basterds, 2009). Para falar a verdade, os dois longas significam um novo salto na carreira do cineasta. Depois de anos nos entretendo com os mais variados tipos de gângsteres, Tarantino resolveu encarar a História –, sim, com H maiúsculo –, mas sem se apegar ao que está nas fontes oficiais, além de abusar do conceito de justiça poética. Qual ser humano não se embeveceria com a morte de Hitler num cinema parisiense? Como não entender a vingança de um escravo contra os desumanos senhores de terra dos Estados Unidos do século 19?
Como Samuel Fuller, uma de suas mais confessas influências, Tarantino entra pela História pela porta dos fundos. Ele foi buscar um paralelo no filme homônimo de Sergio Corbucci, um dos papas do Spaghetti Western (o bangue-bangue italiano dos anos 1960), para compor sua versão dos Estados Unidos a dois anos da Guerra Civil. Seu herói, o escravo Django (Jamie Foxx) é adotado por um caçador de recompensas alemão, o Dr. King Schultz (mais outra composição genial do austríaco Christoph Waltz, o oficial nazista de Bastardos inglórios), que lhe guia ao encontro de sua mulher, a escrava Broomhilda (Kerry Washington).
Durante o périplo pelo Texas, do inverno de Wyoming até a Louisiana, os dois homens parecem anjos exterminadores na caça de bandidos com a cabeça a prêmio. O destino é o encontro com o senhor de escravos Calvin Candie (Leonard DiCaprio), que estaria com a posse de Broomhilda. Criada por imigrantes alemãs, a escrava tem o mesmo nome da personagem da lenda de O anel dos nibelungos, o que deixa o Dr. Schulz fascinado.
A maior diversão de latifundiário é assistir a lutas “mandingo” (entre negros), um tipo de MMA que termina com a morte do perdedor. Seu capataz é uma paródia de Uncle Tom (o personagem de A cabana do Pai Tomás), vivido por um Samuel L. Jackson impagável. Sanguinolento como nenhum outro faroeste e brutalmente engraçado, Django livre ainda abusa da palavra “nigger” (crioulo, na tradução em português), o que motivou a ira do cineasta Spike Lee, que não viu e não gostou do filme. Tarantino, que faz um ponta, inusitada, refaz a História com imaginação, humor e um amor pelo cinema estampado em cada fotograma.
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