O leitor deve saber que miúra é o nome que se dá a um touro brabo. Por comparação, a palavra entrou no jargão do cinema para exemplificar um filme difícil de conquistar o público, ora por suas características experimentais, ora por se aventurar na renovação da linguagem cinematográfica. Um exemplo de filme miúra é o longa pernambucano Jardim Atlântico (2012), de Jura Capela, que nesta sexta-feira (15/03) hoje no Cinema São Luiz.
Nascido no Recife, Jura faz aqui seu primeiro filme de ficção. Antes, em 2010, realizou o documentário Paranã-Puca – Onde o mar se arrebenta, que venceu o Troféu Redentor, da Mostra Novos Rumos do Festival do Rio. Em Jardim Atlântico, o cineasta mais uma vez voa alto para dar corpo à ideia de traduzir uma faceta musical e amorosa do Brasil em forma de celuloide. À maneira dos cineastas do movimento udigrúdi, principalmente a dupla Julio Bressane e Rogério Sganzerla – que ganham citações de seus filmes –, Jura mergulha fundo em busca de uma brasilidade perdida – vai até 60 metros de profundidade do Oceano Atlântico, em Fernando de Noronha, onde visita, em forma de minotauro, os restos de uma corveta naufragada.
Do fundo do mar, Jardim Atlântico navega até o Rio de Janeiro, onde dois casais de foliões relembram as orgias vividas no Carnaval de Olinda. Em forma de labirinto e arredio às convenções narrativas do cinema mainstream, Jura conduz um fio de história de amor rasgado e doentio. Pierre (Mariano Martins) transforma-se em monstro ciumento ao suspeitar que a namorada Syl (Sylvia Prado), que não corresponde à sua paixão possessiva, teria um caso com o fotógrafo Hermes (Fransérgio Araújo). Héres (Hermila Guedes), a companhia de Hermes, desaparece misteriosamente após uma sequência filmada na Palácio da Quitandinha, em Petrópolis.
Paralelamente a este enredo amoroso, Jura intercala clipes de apresentações musicais que se revelam a verdadeira alma de Jardim Atlântico. Como a proposta dele não é seguir a cartilha narrativa de um cinema dominante, depende do repertório do espectador a capacidade de tirar prazer do que está vendo. Talvez dois filmes se debatam em Jardim Atlântico. Um, que se inventa a cada cena, e outro que usa a música brasileira para mostrar nossa exaltada identidade tropical.
As participações musicais são bem filmadas e também primam pela variedade de estilo e ritmo em como foram editadas. Certamente a mais bem-sucedida é participação de Céu, que canta uma bela versão de Aquarela do Brasil acompanhada por Ryan, Fernando Catatau e Guisado. Em um plano sequência de tirar o fôlego, que mostra o talento do diretor de fotografia estreante Pablo Baião, Jardim Atlântico alcança um dos seus melhores momentos. As presenças de Mariana de Morais, cantando Doralina, e de Ava Rocha (filha de Glauber), que canta Só uma mulher, são outros dois bons momentos musicais do filme. Já Otto, que não canta, faz um participação como ele mesmo ao hostilizar um paparazzi. A trilha sonora de Pupillo, da Nação Zumbi, é o elemento que unifica este filme ousado e desafiador.
Leia mais sobre o filme na edição desta sexta-feira (15/03) no Caderno C, do Jornal do Commercio.