David Fincher faz versão do terror da vida doméstica em Garota exemplar

Filme traz Ben Affleck e Rosamunde Pike nos papéis centrais
Ernesto Barros
Publicado em 02/10/2014 às 6:00
Filme traz Ben Affleck e Rosamunde Pike nos papéis centrais Foto: Fox Filmes/Divulgação


De uma forma lenta e eficaz, David Fincher vem construindo uma das mais sólidas carreiras do cinema americano contemporâneo. Mesmo com uma filmografia pequena, para quem dirige filmes há 22 anos, os dez longas que levam sua assinatura são belas tentativas de voos criativos e percepções da realidade. Depois de chacoalhar o cinema de gênero várias vezes, em seus últimos três filmes Fincher abriu os olhos para as transformações comportamentais que estamos vivenciando aqui e agora.

Em Garota exemplar (Gone girl, EUA, 2014), que estreia hoje em circuito nacional, o cineasta dá sua versão das relações amorosas (a trindade amor, sexo e casamento) no século 21 e de como o cotidiano se tornou um espetáculo devido ao assédio constante dos meios de comunicação de massa. Mas, nem pense que ele precisou fazer um tedioso tratado sociológico, que desse a seu novo filme uma aura de obra relevante e autoimportante.

Com sua já reconhecida frieza e obsessão por camadas de verdades escondidas sob a aparência da normalidade, David Fincher criou um exemplo do cinema que flagra o horror da vida doméstica. Como em A rede social e Millennium: os homens que não amavam as mulheres, as relações entre homens e mulheres se encaminham para um tipo de contrato social em que a manipulação e a força são os principais pontos em comum.

David Fincher não disfarça o que tem a dizer. Já na primeira cena as ameaçadoras palavras de Nick (Ben Affleck) não parecem bater com a carícia que faz na cabeça da mulher, a descolada Amy (Rosamund Pike). Para quem conhece o cinema de Fincher, a cena lembra rapidamente a cabeça da mulher igualmente linda que foi entregue a seu marido numa caixa. Só que, em Seven: os sete crimes capitais, o horror era de uma ordem, digamos, cinematográfica.

Em Garota exemplar, Amy desaparece no dia em que ela e Nick completam cinco anos de casados. Num movimento de sístole e diástole, Fincher alterna o estilo dos filmes de investigação policial, em que Nick é o principal suspeito da morte da esposa, e dos modernos contos de fadas, em que o amor parece ser tão doce quanto uma chuva de açúcar. Afinal, como não pode não dá certo o encontro de um cavalheiresco jornalista com uma rica e bem-nascida nova-iorquina célebre desde a infância?

Para embaralhar ainda mais as pistas do possível crime e da lenta decomposição do casamento de Nick e Amy, principalmente depois que se mudaram de Nova Iorque para o Missouri, no interiorzão dos Estados Unidos, a roteirista Gillian Flynn, que adapta seu próprio romance, bota mais lenha na fogueira ao associar o mal-estar do casal com o declínio econômico do país, já que eles perderam empregos e também foram vítimas da queda da bolsa de valores e da especulação imobiliária.

Com pulso forte e controle completo de seus meios, Fincher faz de Garota exemplar um de seus filmes mais envolventes, talvez aquele que apresente os personagens mais complexos de toda sua filmografia. Ainda sim ele dá uma valor extremo aos aspectos técnicos do cinema. Nesse filme, exclusivamente, o que realmente inquieta o espectador é a ruidosa trilha sonora composta pela dupla Trent Reznor e Atticus Ross, cuja profusão de sons invadem a sala do cinema como uma espécie de tradução sonora do fim do mundo.

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