Crítica

'Tinta Bruta' traz solidões e liberdades em cores neon

Vencedor do Teddy Award, voltado para temática LGBT, no Festival de Berlim, 'Tinta Bruta' desvela solidão e inseguranças de jovem quebrado; leia crítica

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 10/01/2019 às 9:48
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Vencedor do Teddy Award, voltado para temática LGBT, no Festival de Berlim, 'Tinta Bruta' desvela solidão e inseguranças de jovem quebrado; leia crítica - FOTO: Foto: Divulgação
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No primeiro ato de Tinta Bruta (em cartaz no Cinema da Fundação), vencedor do prêmio Teddy, dedicado a filmes de temática LGBT no Festival de Berlim, a irmã de Pedro se despede da casa que dividiam falando sobre um problema que surgiu na torneira de residência. O rapaz diz que consertará, mas a irmã aconselha a chamar alguém, "sozinho você não consegue", o plano fica mais aberto e o apartamento toma outra dimensão. A extrapolação desse problema e a sugestão de sua solução sintetizam os caminhos explorados neste filme de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, fazendo um estudo de um personagem tão quebrado apenas por ser o que é. Ele reflete todo um processo de abertura para o mundo, relacionamentos e uma complicada noção de liberdade.

É assim que vai funcionando a vida de Pedro (Shico Menegat), enquanto responde a um processo criminal e se vê sozinho em seu apartamento após sua irmã ir trabalhar em outro estado. Para sobreviver, o jovem se transforma no Garoto Neon, performando com seu corpo e tintas fluorescentes em apresentações públicas e privadas via internet. Ele descobre que outro rapaz, Leo (Bruno Fernandes), está copiando sua apresentação e roubando seu público. Ao confrontá-lo, ambos decidem se apresentar juntos, iniciando uma relação que se choca com as retrações de Pedro.

Prisões e julgamentos em neon

O entendimento sobre como são construídas as inseguranças do protagonista já ficam claras na primeira vez que vemos o rosto de Pedro: em uma audiência judicial, sendo questionado, observado e julgado. É algo que se repete de formas mais ou menos sutis algumas vezes, assim como é feito com as pequenas e grandes rejeições de sua rotina. É comum vermos apenas seu rosto no quadro, enquanto as palavras dos outros vão sendo ditas, parecendo distantes mesmo quando seus locutores estão próximos. Sua solidão consegue ser sempre bem ressaltada até quando está em ambientes cheios ou nas ruas de uma Porto Alegre filmada de forma inóspita e fria.

Soma-se a isso a composição feita por Menegat e seu tom de voz, que faz a timidez se confundir com melancolia. Por mais que confronte os conflitos e as violências que aparecem, ele sempre deixa escapar olhares assustados e uma certa retração corporal. Nunca recai em maneirismos ou exageros, sua insegurança é palpável, assim como seus momentos de agressividade e ternura.

O contraste disso vem em suas performances, que vai operando inicialmente como um ambiente de liberdade e euforia plástica, mas que também vai ganhando outros contornos mais opressivos quando se relaciona com as possibilidades de liberdade de Pedro. Excetuam-se aqui os momentos em que se apresenta junto com Leo, uma espécie de catarse visual neon, com um controle corporal primoroso de Menegat e Fernandes. Eles trazem uma sexualidade que convence tanto como estímulo visual quanto como objeto de consumo para os clientes daquelas sessões, bem diferente da relação sexual densa e sóbria fora das câmeras.

A partir dessas dinâmicas, é construída a principal força do filme: a desconstrução aos poucas das camadas que blindam Pedro de ser livre em vários sentidos, dos afetivos aos do próprio direito de ter uma rotina menos opressiva e poder simplesmente frequentar lugares. Impera a sensibilidade de usar a empatia e capacidade de entender as dores dos outros como ferramenta para esse processo de emancipação, sempre deixando claro que o caminho é tortuoso e abriga violências cruéis, das que deixam hematomas e transtornos na psiquê.

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