Decifrar Bacurau vem sendo um quebra-cabeça. Não a obra em si, afinal ainda não há previsão de lançamento no Brasil, com o filme sendo exibido em première mundial na competição da Palma de Ouro em Cannes, no dia 15 deste mês. Toda curiosidade nasceu, naturalmente, da falta de informações prévias, ou a fragmentação das já existentes, sobre a trama do novo longa-metragem de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
Não que as revelar seja, de fato, necessário – ou talvez seja para alguns. Há quem goste de desfrutar os filmes de ambas as formas. O fato é que receberemos Bacurau, à princípio, quase como uma folha em branco.
É diante desse cenário que o mistério surge. As nuances das frases, afirmações ou imagens, mesmo que pareçam pequenas, terminam sendo fundamentais para revelar algo sobre a obra. Na manhã de ontem, a coletiva com alguns atores que participaram do filme, realizada em Olinda, deu algumas pistas.
Nenhum dos envolvidos, contratualmente, poderia dar spoilers de Bacurau e não assistiram a sua versão final. Sentados lado a lado, Val Júnior, Márcio Fecher, Junior Black, Zoraide Coleto e Rubens Santos, falaram cerca de 1h sobre detalhes técnicos e de impressões sobre a obra – por mais subjetivas que fossem.
Para Cannes, na França, todos viajam, menos Zoraide, entre os dias 10 e 14 deste mês. Alguns deles ficam até o dia 20, por conta própria, para usufruir o máximo dessa experiência. Uma oportunidade única para os artistas pernambucanos que já vêm trabalhando há um bom tempo no meio.
“A escolha do elenco foi muito importante. São pessoas que já atuavam na sociedade com suas obras, e o cinema as captou. O filme terminou colocando sementes para os artistas florescerem” contou Márcio Fecher, que interpreta Flávio.
Outro ponto importante nessa escolha, diz ele, está relacionada diretamente ao filme. Por exemplo, a participação de Lia de Itamaracá como dona Carmelita revela muito, não do roteiro propriamente, mas sobre “metáforas de resistência” presentes em Bacurau.
“Resistência” também foi a palavra que, não metaforicamente, mais apareceu durante a coletiva. Indício que os subtextos políticos do filme, tão presentes em obras anteriores de Kléber, permitem uma leitura atual da realidade, como ressaltaram todos cinco artistas presentes.
Nesta parte, Zoraide foi a mais incisiva: “A gente é forte. Sou filha de presos políticos. Vamos fazer da arte a nossa voz” exaltou a atriz que vive a personagem Madame.
Falando de logística, foram três meses de gravação com o elenco na região do Seridó potiguar, próximo a cidade de Parelhas, no Rio Grande do Norte, onde se hospedaram em um hotel. “A cidade foi muito acolhedora com a gente” conta Rubens Santos, o Erivaldo em Bacurau. Entre os atores, Rubens talvez fosse o mais experiente na parceria com Kléber. Fez boas participações em O Som ao Redor e Aquarius.
Sessões especiais
Em sessões para amigos próximos, Kléber e Juliano exibiram uma versão não finalizada do filme, mas também não podem adiantar nada sobre o enredo de Bacurau. “É um filme com a marca autoral de Kléber, tanto pela narrativa que ele organiza, como pela mise-en-scène” contou Alexandre Figueirôa, professor da Unicap e crítico de cinema.
O crítico, professor e coordenador do curso de cinema da Aeso, Luiz Joaquim, também foi outro que teve a oportunidade de conferir o longa. “Bacurau é um espelho dos seus diretores que têm um amor pelo cinema de gênero, mas sempre com um subtexto político forte”, relata. “É um filme diferente de Aquarius e O Som ao Redor” adiantou.
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