'Modo de Produção' é retrato claustrofóbico da vida dos trabalhadores rurais em Pernambuco

Novo documentário da cineasta pernambucana Dea Ferraz está em cartaz nos cinemas São Luiz e da Fundação
João Rêgo
Publicado em 17/02/2020 às 16:46
Novo documentário da cineasta pernambucana Dea Ferraz está em cartaz nos cinemas São Luiz e da Fundação Foto: Foto: Inquieta Cine/Divulgação


No pré-carnaval, o público pernambucano terá um bom motivo para ir ao cinema. Isso porquê depois de uma espera de mais ou menos três anos, o novo filme de Dea Ferraz finalmente entra em cartaz – com um bom número de sessões no Cinema São Luiz e nas duas salas do Cinema da Fundação.

Modo de Produção é mais uma obra de uma das mais interessantes cineastas que surgiram por aqui nos últimos tempos (principalmente quando o assunto é documentário). Formada em Jornalismo, Déa se especializou no gênero na renomada Escuela Internacional de Cine y TV de Cuba.

Modo de Produção é o terceiro da sua filmografia, que conta ainda com Sete Corações (2015) e Câmara de Espelhos (2016). Nenhum deles, ressalte-se, aproximam-se de documentações automáticas que facilmente alcançam grades de TV.

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Todos carregam uma assinatura de autorismo da cineasta – uma investigadora da linguagem cinematográfica e de fenômenos econômicos e sociais. Duas coisas que nunca se desprendem nos seus filmes; através de um perscrutamos pelo outro sem hierarquias.

Câmara de Espelhos, talvez o seu mais famoso doc até agora, é um grande exemplo disso. Dea criou o que chama de filme-dispositivo, um documentário orgânico e auto-consciente dos seus próprios métodos de funcionamento; logo interessado em se expandir. No processo de investigações da linguagem, a cineasta traz junto tessituras do social – aqui, neste caso, do machismo.

Para o doc, construiu dentro de uma caixa preta cheia de espelhos, uma sala de estar onde recebeu dois grupos de homens variados. Na roda de conversa, em off, a cineasta atiça aquele pequeno universo masculino a debater sobre temas relacionados as mulheres.

O resultado é o esperado; um reflexo do machismo enraizado na construção social dos envolvidos (que contemplam as variadas classes sociais e faixas etárias).

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Trabalhadores de Ipojuca

Partindo da mesma desenvoltura, mas tratando de outra temática, Modo de Produção segue um caminho parecido e mais sútil. O documentário, exibido no Janela Internacional de Cinema em 2017, se passa no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Ipojuca.

Ficamos diante de uma nova “câmara”, com direito a poucas imagens externas. Essa agora, no entanto, é mais real – previamente construída e recheada de significações políticas. Estamos falando de uma espécie de sala sindical, onde “consultores” dialogam com agricultores sobre seus problemas trabalhistas.

São eles que nos guiam por um universo de exploração, capitalismo e subserviência. As perguntas se repetem, os casos variam e vão dimensionando não um aprofundamento, mas um atestado de toda a situação. É o dispositivo cinematográfico, claustrofóbico num espaço minúsculo de uma sala – sufocante como toda situação apresentada.

Nesse cenário, Dea posiciona sua câmera nos ângulos possíveis. O brilhantismo aparece quando seu olhar mira na potência dos gestos e objetos. São os olhares pesados, as mãos calejadas, a carteira de trabalho antiga, as vestimentas.

Quase como se houvesse uma direção de arte por trás daquilo tudo – atiçando um mundo gigante de significações em cada detalhe nas imagens. Afinal, como dito antes, a cineasta está interessada em, sobretudo, fazer uma interessante peça cinematográfica (ou deturpar tudo que isso possa significar).

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