Fenearte

Louro do Pajeú: artesão da palavra

Repentista é um dos homenageados da feira

Carol Botelho
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Carol Botelho
Publicado em 02/07/2015 às 10:10
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Repentista é um dos homenageados da feira - FOTO: Divulgação
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Bastava dar o mote - uma frase ou qualquer palavrinha que algum amigo soltasse - para Louro do Pajeú emendar e fazer poesia na hora, no improviso, impressionando outros cantores rivais e o felizardo público presente nesses momentos históricos. Se vivo fosse, Lourival Batista Patriota, repentista de mão cheia, conhecido como o rei do trocadilho, completaria 100 anos em 2015 (o poeta nasceu em 6 de janeiro de 1915 e morreu em 5 de dezembro de 1992).

Motivo de sobra para ter sido escolhido um dos homenageados da 16ª edição da Fenearte, que nunca tinha feito menção a um artesão da palavra, algo impalpável e consumido apenas pela leitura e pelo ouvido. Na feira, os versos de Louro estarão impressos nos arcos do Centro de Convenções e sairão da boca de cantadores que farão apresentações ao longo do evento. 

Não vai ser difícil encontrar um repentista que não tenha se inspirado na poesia de improviso de Louro. Nascido numa família de poetas foi o único que se dedicou exclusivamente ao ofício e fez dele a sua vida. Essa dedicação influenciou outros familiares, como o poeta de bancada Antônio Marinho, 28 anos, neto de Lourival. “Todos os poetas que vieram depois do meu avô tiveram influência dele”, diz Antônio.

Louro não era simplesmente um poeta. Ele fez da vida poesia, e da própria casa, a morada de todos os poetas que chegavam a São José do Egito, a terra da poesia, município situado no Sertão do Pajeú, a 383 quilômetros do Recife.

Antônio era muito pequeno quando o avô morreu. Tinha apenas 5 anos. Mas lembra da convivência com muita gente de fora, principalmente nos aniversários do repentista, regados a baião de dois (prato que mistura arroz, queijo coalho, feijão verde e charque) e presenças ilustres como Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e Gilberto Gil. “Não tive a chance de conhecer o poeta, mas lembro muito do carinho, do beijo... Ele era uma pessoa muito afetuosa”, derrete-se o neto, que nasceu na casa do avô. “Em São José, todo mundo é poeta ou sabe decorado um verso ou outro”, diz Antônio. Ele mesmo citou um de cabeça: É muito triste ser pobre/ Para mim um mal perene/ Trocando o “p” pelo “n”/ É muito alegre ser nobre/ Sendo com “c” fica cobre/ Cobre figurado é ouro/ Botando um ”t” fica touro/ Como a carne vendo a pele/ O “t” sem o traço é “l”/ Termino só sendo louro. 

Outro neto de Louro que também seguiu a carreira artística tem o mesmo nome do avô, mas sua arte é outra, a contemporânea, e ele é mais conhecido como Cuquinha. Mesmo assim ele afirma que Louro do Pajeú lhe influenciou. 

“Uma vez eu fiz um painel na casa de minha tia, em São José do Egito, sobre Pai Louro. Mas acho que a maior influência mesmo é o jeito como ele se expressava, como usava o que está ao seu redor num momento para criar o que chamam de repente. Muitas vezes é um exercício que também faz parte de como penso. Muitas coisas que faço acontecem quando vem uma ideia ou quando estou montando algo e coisas temporais e espacialmente circundantes me vêm à cabeça. Acho que é um jeito de pensar de repente”, explica Cuquinha, para quem o avô deve ser lembrado como um homem de habilidade e sensibilidade singulares.

 

 

 

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