Fernanda Torres sabe fazer humor como ninguém. Na série Filhos da Pátria, que estreia no dia 19 de setembro, na Globo, a atriz surge como a ambiciosa Maria Teresa, satirizando um assunto sério: a corrupção. Sua personagem, casada com Geraldo (Alexandre Nero), pouco se importa com as falcatruas do esposo. Para ela, o que está em jogo é acumular bens de consumo com a riqueza adquirida, fruto dos esquemas do marido, funcionário de repartição pública no Brasil do século XIX.
Na entrevista a seguir, a atriz de 51 anos conta de que maneira surgiu a oportunidade de interpretar esse papel. Ela também comenta sobre a corrupção dentro e fora do seriado semanal, e fala da sociedade patriarcal. Além disso, Fernanda ressalta as transformações da TV, diz por que gosta de assistir às suas cenas e como se sente diante da atual situação política no Brasil.
É verdade que você se candidatou para interpretar a Maria Teresa?
FERNANDA TORRES – Sim! Foi um texto que o Bruno (Mazzeo, o criador da série) me mandou. Ele disse: "A gente está escrevendo isso, dá uma olhada". Falou só como amigo mesmo, então disse a ele que era excelente. Mais tarde, quando soube que estavam pensando em fazer, então me candidatei para interpretar a Maria Teresa. É raro a gente ter uma história tão ligada ao que estamos vivendo, e de uma maneira tão interessante e humorada! É sensacional porque ela é uma mulher antes de qualquer feminismo. E é racista, mas sem ter a noção do que é isso
A Maria Teresa realmente não se importa com o fato de o marido ter se tornado corrupto?
FERNANDA - Ela não se atém muito ao que está errado, só se importa com o dinheiro que está entrando. A gente tem no Brasil casos de corrupção em que o casal é meio uma sociedade. Temos outras situações em que a mulher era recatada, do lar e usufrui (do dinheiro). A Maria Teresa é uma mulher que não trabalha. Acredita que a única maneira de ascender socialmente é você entrar para a corte, então ela não é bem uma sócia do marido, mas também não vê nenhum problema nisso.
Por isso nem questiona a razão da ascensão financeira...
FERNANDA – Sim. Teve aquela declaração da Cláudia Cruz (mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas), dizendo que era do lar, que jamais perguntou de onde vinha o dinheiro do marido. Eu disse: "Meu Deus! Maria Teresa!". Essa questão do gasto dela com aula de tênis e o jantar no restaurante mais caro é tão novo rico! E a Maria Teresa é uma nova rica! Ela compra carruagem, faisão, prata... só pelo prazer do gastar.
Na sua visão, a série retrata uma sociedade patriarcal?
FERNANDA - Na série, se o Geraldo (Alexandre Nero) rouba, mas melhora a vida da família, então é um herói. E você reconhece (hoje em dia) essa imagem de provedor quando a mulher do Eduardo Cunha diz que, em casa, ela era apenas uma esposa. A série fala desse patriarcado do qual a gente não se curou. Às vezes, temos o discurso de ser mais estatizante ou liberal, direita ou esquerda, mas, antes disso, a gente é patriarcal.
Antes da estreia na TV, 'Filhos da Pátria' foi disponibilizada no Globo Play. O que acha dessa mudança?
FERNANDA - A TV está mudando, assim como a maneira de se assistir a ela. Uma grande parte do público está passando para o on demand. Estamos em plena transformação. Os seriados têm um formato de 12 episódios e parece que a televisão caminha para isso, mas ainda é muito dividido. 'Filhos da Pátria' vai passar uma vez por semana na TV, mas também tem a possibilidade de se assistir no Globo Play.
Você gosta de se ver em cena?
FERNANDA – Adoro, porque me corrijo. Eu não peço para ficar parando (a gravação) pra me ver, mas, quando vejo que é possível, faço. Não é porque sou crítica e fico me olhando. É mais funcional mesmo. É para decidir o que é melhor pra cena.
Você disse uma vez que a atual situação do Brasil era como o Titanic afundando. Ainda é essa a sensação?
FERNANDA - Já vivi crises que duraram 20 anos, e retomadas que duraram mais 20 anos. Então, eu acho que a gente está numa longa crise geral. Até as forças políticas se reorganizarem vai levar um tempo porque o PT e o PSDB, que são os dois partidos que vieram da redemocratização, levaram 20 anos para serem gestados. E, agora, a casa desarrumou. Vai levar um tempo até outras forças políticas serem gestadas e surgirem. Então, eu me sinto à deriva.