Quando os primeiros tambores e acordes do mangue beat ecoaram no Recife, no início da década de 1990, a cena musical e cultural que permitiu a eclosão do movimento já vinha sendo construída desde o final da década anterior. Com festas, programas de rádio e bandas que não iam além da formação inicial, a cidade pressentia que uma enchente musical estava se avizinhando. São esses anos míticos, na virada de 1989 para 1990, que delimitam a primeira temporada da série Lama dos Dias, de Hilton Lacerda e Helder Aragão, que estreia amanhã no Canal Brasil, às 21h30, e se mantém no ar por mais seis semanas, no mesmo horário (as reprises vão acontecer às quintas, às 12h30, e no sábado, às 17h).
Testemunhas oculares e criadores de identidades visuais para shows, vídeos e LPs de algumas bandas da mangue beat, Hilton e Helder foram muito felizes em recriar o clima desses verdes anos, sem precisar de colocar personagens conhecidos ou seguir os rastros de uma ou outra banda que fez sucesso. Desde o primeiro episódio da série, a dupla recria o encontro entre estudantes de classe média e de jovens dos subúrbios da Zona Norte do Recife, especialmente do Alto José do Pinho, com graça e um humor muito fino.
O primeiro encontro entre as duas tribos acontece no Adilia’s Place, um antigo bordel no Bairro do Recife, que foi palco de inúmeros shows nos anos formativos da cena musical da época. É lá que os estudantes Farmácia e Bill, DJs de um programa de música pop numa rádio estatal, conhecem o videomaker Francisco. Não demora muito, os DJS e suas amigas, as estudantes Adriana e Lule, estão numa roda de break na Praça do Trabalho, em Casa Amarela.
Para interpretar os personagens, a dupla de diretores recrutou um grupo de jovens atores recifenses dos mais coesos, perfeitos em suas caracterizações e dicção, como Geyson Luiz, Vítor Araújo, Isadora Gibson e Louise França, na ala dos estudantes, e Edson Vogue, Ênio Damasceno, Matheus Tchôca, Thiago das Mercês e Negrita MC, da turma do Alto José do Pinho e que formam a banda Psicopasso. Maeve Jinkings e Julio Machado dão um equilíbrio especial ao grupo.
Além deles há muitas surpresas boas no elenco, como as participações de Ceronha Pontes, Marcélia Cartaxo, Mauriceia Conceição, Jr. Black, Edilson Silva e Nivaldo Nascimento, além das pontas de Fred Zeroquatro, Renato Lins, Roger de Renor, Xirumba e várias outras figuras conhecidas da época.
Com filmagens em locações facilmente reconhecíveis do Recife, a série também se apoia em imagens de arquivo para trazer o clima da cidade considerada a quarta pior do mundo. As imagens antigas, com qualidade de VHS, mostram cenas do Centro do Recife e personagens que circulavam pelas ruas. Para dar um toque pessoal nessa relação entre o passado e presente, Hilton e Helder ainda recriam cenas do passado usando atores em locações atuais.
Além de todo o cuidado com a atuação e a reconstituição histórica, a série se supera em relação à trilha sonora. Além de cocriador e codiretor de Lama dos Dias, Helder Aragão (DJ Dolores) também assina a trilha sonora. E não é uma trilha sonora qualquer. As canções da banda Psicopasso, que tem Negrita MC à frente, dialogam com o passado sem deixar de serem bastante atuais. Chico Science aparece rapidinho, A Cidade também é ouvida numa primeira versão. Como Lama do Dias termina na Festa Mangue Feliz (dezembro de 1990), muita história ainda virá pela frente. No lançamento da série, durante o Festival de Brasília, o diretor de conteúdo do canal, André Saddy, confirmou o sinal verde da segunda temporada.