O título do novo livro de Lourenço Mutarelli é, sem dúvida, um dos melhores de 2011: Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente (Quadrinhos na Cia, R$ 45, 112 páginas). Sem publicar quadrinhos desde 2006, a obra marca a volta do autor à linguagem depois de uma sequência de seis elogiados romances – A arte de produzir efeito sem causa chegou a ganhar, em 2009, o Prêmio Portugal Telecom. Com um desenho por página, o volume é um híbrido de HQ e narrativa ilustrada, marcado pelo experimentalismo e pelos temas sombrios típicos do paulista.
Em entrevistas, Mutarelli já havia deixado explícita a sua mágoa com o ambiente dos quadrinhos.“Eu me afastei muito desse universo das HQs. Cheguei até a parar de ler quadrinhos”, ele revela, em entrevista por telefone. Para o autor, no entanto, o meio está bastante diferente de algum tempo atrás. “E não só o mercado mudou: meu olhar sobre ele também mudou muito”, conta.
Na obra, o filho narra o final da vida do seu falecido pai, um funcionário aposentado de uma companhia telefônica. Colecionador de fotos antigas de outras pessoas e com mania de desmontar e montar pequenas máquinas, ele entrou em depressão depois da morte acidental de sua esposa. Em uma pescaria, desaparece e diz ter encontrado extraterrestres.
Os quadros, feitos em tinta acrílica, são expressivos e contribuem para a atmosfera surreal do relato. “A acrílica é muito luminosa, as cores são fortes. Então, para parecer sombrio, eu sempre dava um amortecida nos tons”, conta o autor. Outro aspecto da obra é o silêncio dos personagens, marcado principalmente por balões de fala sem nenhuma frase dentro. Seu último lançamento em prosa, Nada me faltará, é todo construído por meio de conversas, sem nenhum narrador. “Na HQ, pensei em fazer o contrário: criar um quadrinho em que não houvesse balões ou diálogos”, relata.
SINTOMA
A obra é, como costumam ser as histórias de Mutarelli, não importa em que meio, um mergulho no limiar entre a sanidade e a loucura. Dessa vez, no entanto, a narrativa não é construída a partir da intimidade mental de um personagem, que se dissolve à medida que o livro avança: são os olhos do filho que duvidam do relato do encontro com um ET, ao mesmo tempo em que também buscam acreditar nas palavras do pai.
Interessante é que o próprio autor, como relatou em entrevista para o blog do festival Rio Comicon, vê a boa recepção dos seus trabalhos como algo preocupante. “Acho que o fato de o mundo gostar do meu trabalho é um sintoma da doença mundial. Quando eu estava doente eram poucas pessoas que estavam passando o que eu estava passando. Hoje em dia, quase todos os meus amigos têm esse tipo de problema. Talvez seja alguma coisa que está na água, no ar, não sei”, contou, fazendo alusão aos seus antes costumeiros ataques de pânico e períodos de depressão.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste domingo (25/12)