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Entrevista com Anco Márcio Tenório sobre Jorge Amado

Nas respostas abaixo, o acadêmico fala da avaliação da crítica da obra de Jorge Amado

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 04/08/2012 às 6:21
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Leia abaixo a entrevista com o professor da Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco.

JORNAL DO COMMERCIO - Que lugar Jorge Amado ocupa na Academia hoje? Quais as principais questões da obra dele, na sua visão?
ANCO MÁRIO TENÓRIO VIEIRA -
Infelizmente, Jorge Amado não ocupa nenhum lugar na academia. Sua obra, com raríssimas exceções, nunca foi objeto de estudo da Academia. Creio que esse preconceito contra Amado se dá tanto por questões ideológicas — o comunista que dá as costas para o Partidão depois da revelação dos crimes de Stalin, em 1953 — quanto por ele aprofundar alguns temas já presentes na sua primeira fase e que agora tomam um primeiro plano naquela que é considerada a sua segunda fase (que se inicia com Gabriela cravo e canela, em 1958): as tensões de classe convivendo lado a lado com as tensões do amor, da carne, da sensualidade. Uma espécie de dualidade entre o País oficial — ou o país almejado pelas esquerdas: moderno, europeizado, que superasse todos os seus “arcaísmos” — e o país real: da miscigenação, da interpenetração cultural, do sincretismo religioso, da sensualidade a flor da pele. Enfim: do País que transige e esmaece, ou amolece, todas as purezas: sejam elas de matrizes religiosas, sejam ideológicas ou de raça.


JORNAL DO COMMERCIO - Ele foi um autor que influenciou muito a literatura brasileira, depois do seu sucesso? Suas narrativas permanecem atuais hoje?
ANCO MÁRIO -
Acho que são poucos os escritores que assumem a filiação à obra de Jorge Amado. Um deles é João Ubaldo Ribeiro. Na verdade, a prosa de Amado é filha da melhor tradição do romance brasileiro que nasce no século XIX: o romance de costumes. O romance que descortina não apenas psicologicamente os personagens, mas também o cotidiano social, político, religioso, sexual, gastronômico que os cerca. Os escritores que suscitaram empatia no público-leitor brasileiro são aqueles que enveredaram pelo romance de costumes. É como se através da narrativa de costumes, que plasma o cotidiano, o leitor brasileiro se reconhece melhor, se visse inserido naquele universo que ele conhece tão bem. A exceção, aqui, é Graciliano Ramos, que constrói uma obra que se volta mais para a reflexão psicológica do que para os costumes, e continua sendo um dos mais lidos da sua geração. Basta pensar em Cornélio Penna e Lúcio Cardoso, dois grandes escritores da geração de 30, de viés fortemente psicológico, e que continuam restritos a meia dúzia de leitores. Sem dúvida, parte da força da narrativa de Jorge Amado, uma narrativa gorda, não raras vezes excessiva, quase resvalando para o barroquismo, se dá pela “sociologia do cotidiano” que vamos encontrar em suas obras. Como em essência o país não sofreu nenhuma revolução burguesa, muito menos socialista, o universo retratado por Amado continua, em parte, muito atual.


JORNAL DO COMMERCIO - Ele foi um dos poucos que teve um lugar no cânone do modernismo e que, ao mesmo tempo, conseguiu vender muito. Como essa equação se reflete na qualidade dos seus textos? Existe algum caso de autor parecido com ele nesse aspecto?
ANCO MÁRIO -
Sim, Érico Veríssimo. Assim como Amado, ele também viveu apenas dos direitos autorais. Não podemos esquecer também que autores como José Lins do Rego e Raquel de Queiroz também sempre venderam muito. Na verdade, a sensibilidade modernista defendida na década de 20 no campo das artes e, particularmente, no nosso caso, na literatura, só chega ao grande público com a Geração de 30 (tanto na prosa quanto na poesia). Ao contrário de Mário e Oswald de Andrade, que promovem uma ruptura na linguagem do romance que vinha se praticando no Brasil (e à época suas obras passaram desapercebidas do grande público. Basta lembra que Macunaíma foi publicado em 1928, em uma edição de 800 exemplares, e só esgotou a edição 10 anos depois), essa Geração de 30 consegue conciliar muito bem as inovações trazidas pela Geração dos Anos 20 com a tradição legada pelo romance oitocentista. Ou seja, retoma-se a ideia de uma literatura que tem como missão desvelar o Brasil (e, no caso, mostrar que dentro dessa unidade chamada Brasil existe uma diversidade chamada região), daí porque a força do romance de costumes, e se acata uma prosa menos retórica, coloquial, que desdenha a palavra preciosa, difícil (como fizeram os escritores de 22), e, principalmente, substitui as teorias cientificistas, que tanto marcaram a nossa prosa realista-naturalista, por novas teorias que, tanto no campo do humano quanto do social, redirecionam e alargam o conhecimento de nós mesmos: o marxismo, a psicanálise, a linguística e a antropologia culturalista.

JORNAL DO COMMERCIO - O uso do pitoresco e o fato de fazer muitas vezes obras engajadas podem ser usados para desmerecer parte da obra do escritor baiano? Ou isso é uma injustiça de parte crítica?
ANCO MÁRIO -
O que a crítica chama de aspecto pitoresco da sua obra é simplesmente a tentativa, por parte de Jorge Amado, de equilibrar a dualidade entre o Brasil que as elites brasileiras (sejam elas de direita ou de esquerda) sonham (ou um país liberal moderno ou um país socialista) e o Brasil real, mestiço, que transige, de moral plástica e dúbia, que tem pouca consciência de classe, que aposta antes na força individual do que em um projeto coletivo. Outro ponto central da crítica à obra de Amado se dá no campo da moral sexual. É neste ponto que Amado mais transige. Ou seja, é onde as tensões sociais e econômicas são amainadas, embaralhadas, parecem perder força. É onde Eros vence o Logos. Neste ponto a obra de Amado lembra muito a de Nelson Rodrigues: a dualidade entre a moral da casa, aquela que é a da aparência, e a moral da rua, a das pulsões sexuais. Ao investir neste ponto, Amado, assim como Rodrigues, tanto revela a hipocrisia da moral cristã (que projeta sobre o homem um modelo ideal de moralidade) quanto da moral pequeno-burguesa da nossa esquerda. O que pensar de um dirigente comunista, como Luís Carlos Prestes, que era virgem até quase os quarenta anos?


JORNAL DO COMMERCIO - Qual a participação de Jorge Amado no modernismo regionalista, aqui liderado por Gilberto Freyre? Ele chegou a dialogar com os demais autores nordestinos e se manteve fiel, em sua obra, a esse início regionalista?
ANCO MÁRIO -
Para aquela geração, a de 30, que retomava uma reflexão pelo Brasil e que buscava retratar criticamente o nosso cotidiano, a obra de Gilberto Freyre era a que melhor oferecia ferramentas para essa literatura. Sendo uma obra voltada para a nossa formação e o nosso cotidiano (defendendo a miscigenação como algo bom e como a grande força do País, rasgando a pudicícia da nossa moral sexual, mostrando como o Estado brasileiro sempre foi refém das grandes famílias, tomando a cultura africana como tão importante quanto a portuguesa para a formação do Brasil, mostrando que a nossa modernização sempre atendeu antes um projeto de uma elite do que o povo em si) e, principalmente, o quanto do passado estava presentificado no presente, a obra de Freyre, montada em cima da tríade Tradição, Região e Modernidade, foi aquela que, nas palavras do próprio Jorge Amado, “foi um despertar e um abrir de caminhos”. E aqui tem um ponto importante. Muito da crítica, particularmente aquela de viés marxista, que se faz, principalmente a partir dos anos 60, do romance regionalista de 30 é, por subtração, a mesma crítica que se faz à obra de Freyre. Sendo Freyre um dos grande mentores dessa geração, encontrar os “pontos de fragilidade” da sua obra era também mostrar os “pontos de fragilidade” das obras daqueles que se filiaram ao seu projeto. Na base de tudo isso, temos também o aprofundamento das interpretações que foram surgindo nos Anos 50 a partir da USP: a valorização das obras modernistas paulistas e a defesa de que aquele foi o único modernismo válido e autenticamente verdadeiro no século XX. A USP neste caso se coloca um pouco como a herdeira desse projeto moderno, Chamar a literatura de 30 de “neo-naturalismo”, como faz Antonio Candido, era colar nessa geração o estigma de uma literatura retrógada (ou uma macha-ré) em relação à linguagem literária praticada pelo romance de Mário e de Oswald de Andrade, pois ela seria, de certo modo, uma sobrevivente da narrativa do século XIX que caducou; mas também era mostrar que a dependência desses romances da interpretação freyreana do Brasil tinha lhe impedido de fazer uma “leitura verticalizante e correta” da realidade brasileira: trocando o essencial (as tensões de classe e a dependência econômica) pela sociologia do cotidiano.

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