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“Nunca existiu um casal como Jorge Amado e Zélia Gattai”. A frase, dita com convicção e saudosismo, é da pintora e poeta pernambucana Tania Carneiro Leão, viúva do poeta recifense Carlos Pena Filho e amiga íntima do casal baiano. Era em torno desse casal pernambucano que o criador de Gabriela, cravo e canela orbitava quando vinha ao Recife, junto com outros amigos: Dóris e Paulo Loureiro e Laís e Ruy Antunes. Aqui, costumava vir para encontrar os velhos conhecidos, mas, em meio a uma dessas estadias casuais encontrou a ideia de um dos seus principais romances.
Jorge sempre foi um baiano por definição: é quem melhor encarnou aquela Bahia que ele mesmo tratou de inventar e retratar. Apesar disso, era também um homem do mundo; parte pelos exílios impostos, parte pelo seu sucesso. Conheceu o Brasil como poucos, mas foi o Recife que teve o privilégio de ser chamado de “cidade que aprendi a amar” em uma de suas cartas.
Ele desenvolvia afeto pelo lugares a partir das pessoas. Começou a frequentar depois de conhecer o médico Paulo Loureiro, companheiro de militância no comunismo. E foi justamente em uma festa na casa dele no Recife, em 1958, que Jorge foi apresentado a Carlos Pena Filho.
“Jorge adorava Carlos. Ele nos adotou mesmo, chegou a levar Livro geral (1959) para a editora São José, do Rio de Janeiro, para fazer o livro ser publicado”, conta Tania Carneiro Leão. Junto com Ruy Antunes e sua esposa, o grupo passou a se ver ao menos uma vez por ano, principalmente em uma casa de veraneio na Praia de Maria Farinha – segundo a poetisa, Jorge ficava lá para “jogar pôquer e arengar com os amigos”. Em eventos públicos, incentivava o poeta a declamar e, quando Carlos esquecia algum verso e Tania o lembrava, acusava-os de uma farsa, dizendo, aos risos: “É Tania quem escreve!”.
Foi numa dessas ocasiões que o escritor baiano – um apaixonado pelos causos – ouviu Carlos Pena Filho contar a história que daria origem ao protagonista de A morte e a morte de Quincas Berro d’Água. O poeta pernambucano, em meio ao carteado, contou de um cachaceiro, desses convictos, que, em um bar, pensando que uma garrafa continha cachaça, e não água, empolgou-se e tomou um grande gole. Ao sentir o gosto insípido da bebida, deu um grito desesperado – segundo Carlos Pena, o homem vociferou que era alérgico a água. A história arrancou risadas de todos e logo eles passaram a brincar que o “Quincas Berro d’Água” era o próprio poeta.
Quando o livro saiu, Jorge lembrou o amigo, morto no ano anterior em um acidente de carro. Chamava-o ali de Berrito Dágua, “mestre da poesia e da vida”. A perda o tocou profundamente. O escritor não pôde vir ao Recife e, em uma emocionada carta, explicou o porquê. “Como ver tua cidade que aprendi a amar em tua companhia, desolada e em luto? Não, Carlinhos, não irei, e tu compreenderás”, escreveu. Depois disso, Jorge passou quase dez anos sem vir para a capital pernambucana, ainda no seu luto distante.
"Jorge Amado gostava muito da comida do seu xará Jorge, cozinheiro daqui de casa. Quando terminava o almoço, ele ia lá, conversar e dava até uma gorjeta para o empregado”, revela Tania. Quando o visitante ia embora, o cozinheiro Jorge dizia, sem esconder a animação: “Ele não é como os políticos que vêm aqui normalmente, que nem falam com a gente. Jorge é que é gente de verdade!”.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste domingo (5/7).