Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

Autor de As veias abertas da América Latina, ele também era um admirador da obra de J. Borges
Do JC Online
Publicado em 13/04/2015 às 10:03
Autor de As veias abertas da América Latina, ele também era um admirador da obra de J. Borges Foto: Robert Yabeck/Divulgação


O escritor uruguaio Eduardo Galeano, 74 anos, morreu por volta das 9h desta segunda-feira, em Montevidéu, vítima de um câncer de pulmão. A informação foi confirmada à Agência Estado pelo escritor e tradutor Eric Nepomuceno, que tem um irmão casado com a filha de Galeado. Autor de As veias abertas da América Latina, o escritor era uma admirador da obra do gravador pernambucano J. Borges, de quem comprou várias matrizes de xilogravura para ilustrar as suas obras.

“Fiz 185 matrizes para o livro As palavras andantes (Editora L&M, 316 páginas, 1994). Ele nunca botou defeito. Nunca reclamou um pingo no i. É um homem consciente, amigo. Muito sensível à arte”, disse J. Borges em entrevista ao Jornal do Commercio, no ano passado, por ocasião das comemorações dos 20 anos de lançamento do livro.

Segundo os jornais El Pais e Subrayado, Galeano estava internado em um hospital em Montevidéu e morreu devido a complicações de um câncer de pulmão, que já tinha sido tratado em 2007. 

Jornalista, historiador, ficcionista, Galeano publicou mais de quatro dezenas de livros, entre os quais se destacam, além de As veias abertas da América Latina, Memórias do fogo, O livro dos abraços, O futebol ao sol e à sombra, O teatro do bem e do mal, Mulheres, Espelho - uma quase história universal. Suas última obra lançada foi O filho dos dias, em 2012.

Nascido em 3 de setembro de 1940 numa família católica de classe média de ascendência europeia, Eduardo Hughes Galeano sonhava em ser jogador de futebol, quando garoto. Antes de se dedicar ao jornalismo, foi  pintor de letreiro, datilógrafo, mensageiro e caixa da banco. Seu primeiro trabalho publicado foi uma charge no jornal El Sol, do Partido Socialista, aos 14 anos de idade.

No início da década de 1960 tornou-se editor do Marcha, influente jornal semanal que tinha como colaboradores o conterrâneo Mario Benedetti e o peruano Mario Vargas Llosa (Prêmio Nobel de Literatura de 2010). Foi também editor do diário Época e editor-chefe do jornal universitário por dois anos. Em 1971 escreveu sua obra-prima As veias abertas da América Latina, traduzido para vários idiomas e adotado em universidades de vários continentes. O livro  analisa a história da América Latina desde a colonização, se transformou em um clássico da literatura política do continente.

"Pretendia fazer um livro de economia política, mas não tinha o treinamento e o preparo necessários", reconheceria 43 anos depois numa entrevista ao jornalista Larry Rothert, ex-correspondente do jornal New York Times no Brasil. "Eu não conseguiria ler este livro. Cairia dormindo. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não tolera".

Mas na época, com a América Latina dominada por regimes militares totalitários de direita, apoiados pelos Estados Unidos, o livro de Galeano era uma obra lida e comentada clandestinamente na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai (onde a censura proibia a sua publicação). Galeano fez uma análise da colonização europeia até o século 20, argumentando contra a exploração econômica e a dominação política do continente, primeiramente pelos europeus e seus descendentes e, mais tarde, pelos Estados Unidos. A exploração do continente foi acompanhada de constante derramamento de sangue índio. Para Galeano, o sistema de exploração e pilhagem se reproduziu até o fim do século passado.

Para Galeano, o principal fator que permite essa exploração dos países da America Latina sobretudo pelos Estados Unidos é a falta de unidade entre os latino-americanos, principalmente no campo econômico, visto que esses países comercializam mais com os Estados Unidos e Europa, do que entre si.

Após o golpe de estado em 1973, Galeano teve de deixar o Uruguai e foi viver na Argentina. Quando voltou ao seu país em 1985, ele fundou o semanário Brecha.


 

 

Algumas frases famosas de Galeano:


"Um refúgio? Uma barriga? Um abrigo onde se esconder quando estiver se afogando na chuva, ou sendo quebrado pelo frio, ou sendo revirado pelo vento? Temos um esplêndido passado pela frente? Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida".
(As palavras andantes)

"Tenho saudades de um país que ainda não existe no mapa."

"Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez..."
Frase inicial do discurso de abertura na conferência de intelectuais no Chile durante o governo Allende).

"A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la."
(As veias abertas da América Latina)

"O que são as pessoas de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros, devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos. E para os mais exitosos políticos, votos".

"Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças."

" Vivemos em plena cultura da aparência cultura da aparência o contrato de casamento importa mais do que o amor o funeral mais do que o morto as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus. Estamos emplena cultura do envase. 

Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar.

 

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