Primeiro livro de Raimundo Carrero vai virar peça

A História de Bernarda Soledade vai ser adaptada pelo grupo paulista Teatro de Transeuntes
Diogo Guedes
Publicado em 06/07/2016 às 5:33
A História de Bernarda Soledade vai ser adaptada pelo grupo paulista Teatro de Transeuntes Foto: Ricardo Labastier/Divulgação


Enfurnado durante cinco dias na Fazenda Figueiras, em Orobó, o escritor Raimundo Carrero escreveu o seu primeiro romance, A História de Bernarda Soledade – A Tigre do Sertão. O autor de Salgueiro ainda procurava a sua estreia literária; um pouco antes, tinha publicado o conto Romance do Bordado e da Pantera Negra, transformado em cordel pelo seu mestre, Ariano Suassuna.

Finalizou a sua primeira narrativa longa naqueles dias e noites, mas sabia que ela havia exigido anos de leitura e crítica na “guerra sem testemunhas” de que falava Osman Lins. Quarenta anos depois da publicação – o romance é do final de 2015 – Bernarda, a Tigre do Sertão, continua como uma das suas narrativas que mais desperta interesse dos leitores.

A obra, prefaciada por um Ariano que a considerou um exemplar da prosa armorial, já teve traduções publicadas na França e na Romênia. Agora, vai ser conhecida em mais um país: sai na Bulgária pela editora Vessela. E, além de outras línguas, vai conquistar outras linguagens – começou o seu processo de adaptação para os palcos pela companhia paulista Teatro de Transeuntes.

Quem comanda a recriação teatral do texto é a diretora paulista Maíra Frois. O interesse pela obra do pernambucano veio depois de uma provocação de uma professora. Maíra havia desenvolvido um trabalho com uma tríade de mulheres místicas da antiguidade grega e, quando partiu para pensar o próximo projeto, foi instigada a procurar na literatura brasileira ou latina.

Outro docente recomendou a obra de Raimundo Carrero. Maíra leu Tangolomango e Somos Pedras Que Se Consomem, mas só quando começou Bernarda Soledade é que sentiu que havia encontrado a história – com uma tríade de mulheres, também – que precisava. Ao pesquisar sobre a trajetória premiada de Carrero, achou que seria difícil conseguir contato com ele e pegar a autorização para encenar o texto sem pagar (afinal, se trata de um grupo de estudantes). “Mas cara de pau nunca me faltou, então, enviei um e-mail perguntando. Ele me disse uma frase que nunca vou esquecer: ‘Eu tenho amor à obra, não ao dinheiro’”, conta Maíra. “E ele mesmo se ofereceu para fazer a adaptação para o teatro, abraçou o projeto inteiro.”

“Sempre sonhei em ver Bernarda no palco”, confessa Carrero, que criou uma dramaturgia com pouco mais de 30 páginas. “Entreguei a versão final no último domingo, depois de dois meses trabalhando na adaptação. Bernarda Soledade é um romance extremamente visual, o que ajudou a transformá-lo em uma peça com imagens muito claras, cenas visualizáveis.”

Apesar de ter feito o texto, Carrero ressalta que deixou livre Maíra para dar à peça o formato que quisesse. “A questão do espaço cênico ser um espaço de união entre espectadores e atores, sem quarta parede ou plateia, tem me interessado muito. Além de toda a atmosfera poética da obra, vamos criá-la num espaço compartilhado, uma espécie de corredor com o público nos seus dois lados e os atores e espaços no centro”, explica a diretora.

Serão sete pessoas na montagem: Gabriela Andrade vive Bernarda; Maria Monteiro interpreta Gabriela Soledade; Angela Maria Prestes é Inês. Os três personagens masculinos ficam a cargo de Cássio André, Wesley Monteiro e Jorge Neto. Há ainda um músico no palco, Fabio Vasconcelos, que assina a trilha da peça.

Por enquanto, Maíra já divulgou um teaser do espetáculo, fruto dos três meses de pesquisa e um mês de ensaio. A previsão de estreia do espetáculo é o mês de novembro – a ideia é começar nos palcos da USP, mas já existem convites para circular por quatro espaços periféricos de São Paulo. “Depois, queremos tentar ir para outras cidades através de festivais. Tomara que a gente consiga ir para o Recife”, comenta Maíra.

OBRA VIVA - Para Carrero, o interesse – em traduções e na peça – por Bernarda Soledade é uma grata surpresa. Apesar da boa recepção no lançamento, com elogios d’O Globo e da Veja, ele foi pouco lido nas décadas seguintes. “Havia uma preocupação grande em se falar de uma literatura política nessa época”, sugere o autor. “Já Bernarda atrai o olhar externo hoje porque fala do Nordeste brasileiro com liberdade estética, sem se filiar a um conteúdo filosófico ou sociológico. E é interessante para o teatro porque tem uma montagem quase cinematográfica, tem uma influência do cinema americano que eu via em Salgueiro na infância e adolescência – até os folhetos de cordel da época se influenciavam pelos filmes”, pondera Carrero.

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