José Saramago (1922-2010), em uma crônica publicada na imprensa portuguesa em 1972, ensaiava uma história fantástica: um conto de fadas sobre um lagarto imenso que apareceu no bairro do Chiado, em Lisboa. O evento surreal, que evacua o bairro e mobiliza exército e bombeiros, bem que poderia ser parte de uma das aventuras do imaginário popular do Nordeste, tão influenciadas pela cultura ibérica. Afinal, já no fim do texto, intitulado O Lagarto, o próprio Nobel da Literatura português sintetiza a trama em uma quadrinha simples: “Calados, muitos recordam,/ Na prosa das suas casas,/ O lagarto que era rosa,/ Aquela rosa com asas.”
Ao reler essa crônica, o editor argentino radicado em Barcelona Alejandro García Schnetzer viu nela o poder de um breve conto. Decidiu fazer do texto um livro, convidando para ilustrá-lo um mestre que admirava há décadas: o pernambucano J. Borges, de 81 anos. “Ouvi falar dele em 1993, através de Eduardo Galeano, que incluiu gravuras suas no livro As Palavras Andantes. Este volume deu a conhecer J. Borges fora do Brasil”, comenta Schnetzer, em uma entrevista para a revista virtual Blimunda, da Fundação José Saramago, deste mês.
Como não havia internet ainda, Schnetzer só sabia do xilogravurista o que Galeano contava: sabia “que vendia os seus romances de cordel pelos mercados do Nordeste, com as suas estórias de mistérios e de aparições, como este lagarto que surgiu no Chiado”. Pensou que estava ali o mote da parceria: levar para o fantástico de Saramago o fantástico de Jota Borges. Um encontro de Josés, como definiu a presidente da Fundação José Saramago e companheiro do escritor Pilar del Río. Ou um livro que contém não só uma pessoa dentro dele, mas duas.