O escritor pernambucano Raimundo Carrero tem um novo mantra: o da resistência literária. Nos festivais literários que frequenta, sempre vê escritores concorrendo com atrações musicais ou palestras que têm pouco a ver com a prosa e a poesia. Além disso, aponta que espaços voltados para a literatura quase não existem: se antes havia a Livro 7, local que reunia naturalmente escritores e bons leitores do Recife, as livrarias de hoje no máximo se dispõem a sediar lançamentos.
A resistência literária do salgueirense – que já era exercida, claro, na sua ficção, uma das mais relevantes do Brasil hoje – continua agora em um novo âmbito: o do Centro Cultural Raimundo Carrero. O espaço será aberto amanhã, a partir das 20h, com a ideia de receber aulas da oficina literária do autor e também sediar lançamentos, palestras e debates de outros nomes – é um local disponível para leitores, escritores e críticos, Carrero faz questão de ressaltar.
O centro cultural fica na Avenida João de Barros, número 1.468, no Espinheiro, no segundo andar de uma galeria em frente ao supermercado Extra. Ao lado de um salão de beleza, um escritório de advocacia e outro de gestão de condomínios e um dentista, está lá uma sala pequena, com o logo do espaço e, dentro, ar-condicionado e 20 cadeiras. O hall do lado de fora é amplo, perfeito, como destaca Carrero, para lançamentos e eventos mais sociais.
Criar o centro cultural é uma vontade antiga do escritor que ganhou materialidade quando ele venceu o Prêmio São Paulo de Literatura com o romance A Minha Alma É Irmã de Deus (Record), em agosto de 2010. Os R$ 200 mil concedidos pela honraria seriam destinados a comprar uma casa e reformá-la.
Um AVC em outubro do mesmo ano mudou os planos de Carrero. Nem tanto pelos gastos hospitalares, mas também por interromper o projeto. Agora, Carrero retomou o sonho e tem contado com ajuda dos seus muitos alunos – “meus companheiros de travessia”, como define.
As aulas de escrita, que mantém quase sem interrupção desde os anos 1980, sempre foram errantes: ocuparam já a Livraria Síntese, um espaço na Fundaj, o Sindicato dos Jornalistas, a União Brasileira dos Escritores, a Livraria Cultura Nordestina e outros lugares. “Era uma necessidade real ter um espaço fixo para a oficina. Com isso, quis criar o centro cultural, que vai ficar disponível a quem quiser. Vou fazer nele também uma espécie de plantão literário”, anima-se. Carrero já tem dois eventos programados: uma conversa com Sidney Rocha sobre o seu novo livro, Guerra de Ninguém, ainda sem data, e um encontro com José Luiz Passos e Schneider Carpeggiani no dia 22/11o para falar sobre romance e política.
Sobre seu próximo romance, Pérolas Porcas, Carrero avisa que o lançamento deve ficar para o próximo ano, após o Carnaval. “Vai ser uma reflexão literária sobre a infância. São dois personagens, Leo e Doroteia, que são de fora do meu universo habitual, não são daquelas famílias. A infância surgiu como tema porque, quando você vai ficando velho, ela parece que ganha um contorno diferente. As pessoas não ligam para crianças, pensam que são só meninos ou idealizam o período, pensam que não há maldade, que não sabem o que fazem”, pondera o autor.
Além disso, Carrero espera a eleição para a Academia Brasileira de Letras. “É um processo lento. Leva uma semana para se apresentar e conversar com um acadêmico. Meu primeiro cuidado é não pedir voto, só mostrar quem eu sou e qual é a minha obra”, descreve.
l Abertura do Centro Cultural Raimundo Carrero – amanhã, às 20h, na Av. João de Barros, 1468, Espinheiro.