Preconceito, machismo, corrupção. Todos os dias questões sociais, políticas e de gênero são debatidas e espelhadas nas mais diversas manifestações artísticas, como no cinema, na literatura, na música. Não poderia ser diferente nas histórias em quadrinhos, embora ainda exista certa resistência com o formato, enquadrado no nicho nerd/geek por alguns e considerado infantil por outros. Com a proposta de mostrar que os quadrinhos são um meio que reflete os acontecimentos do mundo e dialoga com toda a sociedade, nasceu a Plaf, revista pernambucana especializada em HQs com foco na produção autoral.
Apesar de estar circulando desde o fim de agosto, o lançamento oficial da Plaf aconteceu na tarde desse sábado (2), na loja Etiqueta Verde, no bairro do Espinheiro, na Zona Norte do Recife, com evento que continuou noite adentro e reuniu quadrinistas, pesquisadores, críticos, entusiastas e até mesmo novos leitores, regrado a cerveja gelada, música e muito papo sobre quadrinhos, claro. Editada pelo trio de jornalistas Carol Almeida, Dandara Palankof e Paulo Floro, a publicação celebra o cenário de ebulição das HQs através de reportagens, resenhas, entrevistas e quadrinhos inéditos, sempre com um olhar reflexivo para questões atuais e relevantes.
“A gente teve essa sorte do cenário de quadrinhos estar num momento bom. Tem toda essa conjectura de pessoas interessadas e autores com novos trabalhos”, disse Floro, um dos idealizadores da revista, enquanto dava uma pausa nas fotos com os convidados. Ele contou que, ao conceber o projeto, tinha duas coisas em mente: aprofundar a conversa sobre quadrinhos e instigar a reflexão, assim como dar visibilidade para a variedade de estilos e vozes. “Existem poucas publicações sobre HQs no geral. Ou elas são voltadas para super-heróis ou para ensaios sobre quadrinhos de arte. O que nós queremos é mostrar que há muitas possibilidades nas HQs, uma expressão artística tão rica e plural como qualquer outra”, afirmou.
Inclusive, o slogan da revista “O mundo dos quadrinhos é o mundo todo” remete a essa necessidade de dar espaço para temas diversificados e representativos nos quadrinhos. “Com o boom dos eventos especializados e das novas editoras, a cultura de leitura de HQs vem se espalhando cada vez mais pelo Brasil. Como o nosso slogan diz, quadrinho é para todo mundo e a gente veio para agregar a esse cenário que está efervescente”, pontuou a editora Dandara Palankof, em meio aos abraços e agradecimentos que recebia daqueles que chegavam.
O primeiro número da Plaf é politicamente incisivo do começo ao fim. A capa traz duas personagens femininas de mãos dadas, ilustradas pela mineira Lu Cafaggi, que também criou uma HQ exclusiva para a revista com a temática LGBT, assunto da principal matéria desta edição. Além disso, conta com uma entrevista com o quadrinista André Dahmer, da série Malvados, que comenta bem esses tempos de instabilidade política em que vivemos. Uma das cinco HQs inéditas, por sua vez, aborda o polêmico movimento Ocupe Estelita, cuja temática, desenvolvida sob a ótica do pernambucano Raoni Assis, foi escolhida pela própria editoria da revista. O debate ainda é levantado na última das mais de 60 páginas da edição, com uma dosagem extra de acidez estampada na tira de humor político do piauiense Caio Oliveira.
De acordo com Floro, existiu um posicionamento político até mesmo na escolha dos cinco quadrinistas convidados, que são o pernambucano João Lin, a brasiliense Renata Rinaldi, além dos já mencionados Caio Oliveira, Lu Cafaggi e Raoni Assis. “Se é que podemos falar de um mercado de quadrinhos, tivemos a intenção de descentralizar o olhar das pessoas para o sul e sudeste do País. Uma das nossas propostas também é de projetar os autores nordestinos, que são três dos cinco escolhidos para esta edição”. Lin é destaque também em matéria da Plaf que fala sobre a pernambucana Ragu, HQ autoral dos anos 90 editada por ele e Christiano Mascaro que trouxe diversas inovações estéticas para o gênero. “A gente acredita que tão importante quanto divulgar novos nomes é fazer esse resgate da memória de nomes importantes para a história das Histórias em Quadrinhos”, disse.
O produto final da revista, disponível somente no formato impresso, também alude a essa questão da preservação da memória. “Pode ser um pouco de fetiche, mas a gente queria que as pessoas pudessem ter a revista em mãos, passá-la de mão em mão, além de ter todas essas cores vibrantes berrando nos olhos delas”, brincou Palankof. “A gente não renega o formato digital e entende a relevância que ele tem na democratização da informação, mas a gente quis fugir um pouco dessa efemeridade que as coisas têm na internet e cristalizar a nossa vontade de falar sobre quadrinhos”, acrescentou.
Impressa em papel couché, grampeada e com verniz na capa, a revista foi pensada também para instigar o colecionismo, segundo Floro. “Eu mesmo sou colecionador. Quem curte HQs geralmente tem essa ligação com o papel, o cheiro, a textura. É um público mais old school”, comentou, emocionado por ter a oportunidade de ver o resultado de um projeto seu nas bancas. As mesmas emoções tomaram conta de Dandara. “Já foi uma sensação maravilhosa ver a revista saindo da gráfica, mas ver ela nas bancas, cada pedido na loja online, o pessoal comprando aqui no lançamento e o Orlando da Banca Guararapes ligando para dizer ‘olha, acabou o que você deixou, traz mais’, é gratificante demais”, disse. Visivelmente emocionada estava também a editora Carol Almeida, que não pôde se prolongar porque era uma das DJs da festa, mas deixou claro que: “ver a Plaf nas bancas ao lado de HQs que amamos e consumimos é um sonho sendo concretizado”.
Com periodicidade bimestral, a revista Plaf está disponível em bancas, livrarias e lojas especializadas em quadrinhos de Recife, João Pessoa, São Paulo e Curitiba, pelo valor de R$ 15. Também é possível encontrar a revista à venda online, com envio para todo o Brasil.