O último dia 18 de outubro poderia ter sido uma quarta-feira qualquer para o poeta pernambucano Marcus Accioly. Como toda manhã, ele acordou muito cedo - tinha o costume de levantar às 5h - e foi à sua escrivaninha onde religiosamente todo dia, mesmo aos fins de semana e feriados, ligava o computador e começava a deixar fluir seus pensamentos em forma de poesia.
Assim como faziam todos os dias, Bibi e Queno, a yorkshire e o maltês do poeta, acompanharam seu mestre e deitaram ao lado da mesa, em suas respectivas almofadas, enquanto ele escrevia um de seus últimos poemas. Marcus faleceu três dias depois, na mesma casa localizada na Ilha de Itamaracá em que pode cultivar seu amor pelo mar, pela sua esposa e companheira Dolly, seus cachorros e, principalmente, sua escrita.
Curiosamente - mas talvez não coincidentemente -, onze dias antes da escrita de O Menino Condutor, ele havia tomado nota de outro poema, que agora toma outro sentido, o Epitáfio. No texto de poucos versos, ele reflete sobre o modo como levou a vida. Os dois textos foram gentilmente disponibilizados por Dolly Dalla Nora, assim como o trecho inicial de um artigo que o autor tinha começado a elaborar para este Jornal do Commercio.
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"Eu sou um homem de dois mares e três oceanos, essa é a minha biografia", iniciou Marcus. Tudo indica que o restante do artigo tomaria rumos de uma pequena memória. “Ele falou também neste início de texto sobre o que ele chamava de mar canavial, que é quando o vento bate nas plantações de cana-de-açúcar e faz com que elas pareçam ondas”, explica Dolly.
O amor de Marcus pelo mar e pelas águas de uma maneira geral era bem perceptível em sua vida e em seus poemas. “Ele escrevia uns 10 por dia, passava o dia inteiro escrevendo. Deixou cerca de 30 livros inéditos prontos”, relembra a esposa. Outra produção deixada por ele e que vai ser lançada ainda este mês é um calendário poético para 2018, projeto recente do escritor. Ao todo, são 12 poemas, um para cada mês do ano, acompanhados de ilustrações do artista Luiz Jasmim, que retratava as paisagens de Itamaracá.
O calendário está sendo editado pela Academia Pernambucana de Letras, APL, da qual Accioly era membro, com apoio da Cepe. “Vivi como vivi, não me pergunte”, já anunciou Marcus. Mesmo sem ter precisado perguntar, é sabido que a vida do poeta foi pautada pelos exercício da escrita e da leitura - de preferência na rede de sua casa. “Quero poder publicar todos os poemas que Marcus deixou, todos merecem ser publicados”, finaliza Dolly.
Os poemas:
O menino condutor
Pela manhã, o menino,
pela guia, aceso à mão,
puxava um sol amarelo
– chamado Alfa – o seu cão.
À tarde, com a mesma guia,
levava, pela extensão
da praia, uma lua branca,
chamada de solidão.
À noite, pensando nuvens
por bois, por cabras e ovelhas,
era do céu, o menino,
pastoreador de estrelas.
Assim cresceu, com seu sol,
sua lua e com seus astros,
conduzindo, na guiada,
a multidão dos seus pássaros.
Ita-18-10-2017.
Epitáfio
Vivi como vivi, não me perguntem.
Digam: "Viveu o que viveu!" É só.
Eu - molhado de água e/ou de lágrima -
fui um sopro de Deus e um grão de pó.
07-10-2017.