Em 2016, a jornalista portuguesa Isabel Lucas deixou Lisboa e partiu para uma viagem longa pelos Estados Unidos. A ideia não era fazer passeios turísticos pelo país, mas mergulhar em sua diversidade e complexidade. Assim, mais do que conhecer geograficamente as paisagens americanas, a autora passou a fazer, em 12 reportagens diferentes, retratos das pessoas, dos sonhos e também das obras literárias que compõem o imaginário e a realidade do país. Desses textos nasceu o livro Viagem ao Sonho Americano, lançado em 2017.
Apesar do resultado elogiado da obra, o plano de Isabel não era reproduzir o projeto em outros locais. Ainda assim, após o convite da Cepe Editora, ela começou neste mês de junho a repetir a ambiciosa viagem literária e geográfica por vários pontos do Brasil, um país tão ou mais diverso e complexo que o da empreitada anterior, para formar, ao fim, o volume Viagem ao País do Futuro. Ao longo de junho, ela completou sua primeira visita, passando pelo Recife e pelo interior do Nordeste, especialmente pelos arredores de Canudos – afinal, se o nosso país vai ser olhado através de 12 livros, Os Sertões não poderia deixar de ser um deles.
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Segundo Isabel, o projeto surgiu de uma forma natural por conta da sua proximidade com a literatura. “Quando estávamos nas vésperas das eleições americanas, um ano antes, comecei a fazer uma série de reportagens sobre o que eram os Estados Unidos”, explica a jornalista portuguesa. “Como vamos tentar perceber esse país? Aí veio a forma mais natural de fazer isso: conversar com as pessoas, pegar um livro e viajar com ele”.
Mais do que amarras, os livros, eram pontos de partida. “Deixo-me fugir deles, naturalmente, pois não tenho planos fechados. E deixo-me influenciar por outros cantos, livros que estão à volta, as pessoas na rua. Pode entrar no texto tudo que me ajuda a entender uma geografia, um tema, um modo de ser”, comenta a jornalista.
Como nos EUA, a ideia é ir publicando por aqui reportagens sobre o livro no Suplemento Pernambuco – ao final, os textos vão gerar o livro publicado pela Cepe Editora. Além de Os Sertões, Isabel deve abordar outros títulos clássicos brasileiros, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Macunaíma, de Mário de Andrade, e Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, entre outros. Pernambuco está representado em dois autores: Clarice Lispector, com A Hora da Estrela, e Gilberto Freyre, com Casa-Grande e Senzala.
À BRASILEIRA
Apesar de conhecer parte do Brasil, principalmente o eixo Rio-São-Paulo, Isabel tem pouco contato com o restante do país, salvo pelo imaginário de músicas, livros e novelas. “É um confronto, uma espécie de tradução – não de uma língua diferente, mas de outros modos de ser e de outras culturas. Eu sou portuguesa, com minhas circunstâncias todas, e não temos outra referência além da mesma língua”, revela. “Não conheço tão bem o território brasileiro. Não sei tanto como me movimentar: nos Estados Unidos havia comboios, que eu usava muito, e aqui os voos internos são muito mais caros. Havia ainda a questão da segurança, de poder andar sempre sozinha, pois a liberdade foi muito determinante ao fazer essas reportagens”, ainda pondera.
O título do projeto faz alusão ao epíteto de “país do futuro” do Brasil. Como no caso americano, a ideia era remeter a uma imagem ambígua do país, no nosso caso, de um futuro sempre adiado. O que encontrou por aqui, diz, foi uma divisão política diferente da que testemunhou nos EUA. Se em São Paulo ainda viu rancor político, no interior do Nordeste, ela observou pessoas menos zangadas umas com as outras, preocupadas em não perder o pouco que conquistaram recentemente, como as motos e as parabólicas. “Mas, para mim, ainda é muito cedo. Não vou chegar a uma conclusão: vou observando, ouvindo”, declara.
Gilberto Freyre e Clarice Lispector já eram conhecidos da jornalista, em momentos diferentes. A escritora pernambucana Isabel leu ainda na adolescência, acompanhando também o que foi lançado depois. Já Freyre chegou a ela por um amigo, o editor português André Jorge, da Cotovia. “Revisitar esses livros agora é uma experiência muito diferente e bonita”, afirma. “Estava a olhar meus sublinhados de Os Sertões de uns anos atrás e consigo entender outras coisas agora, como se houvesse um outro livro. Não temos que ir a um lugar para entender um livro, mas a ida amplia o que já estava lá.”