Daniela Mercury vai cantar e polemizar

Cantora se apresenta na festa Odara Odesce e afirma que não teme levantar bandeiras
Bruno Albertim
Publicado em 09/05/2013 às 9:24
Cantora se apresenta na festa Odara Odesce e afirma que não teme levantar bandeiras Foto: NE10


Ter saído (ou melhor, arrombado, sem possibilidade de conserto, a porta) do armário fez muito bem a Daniela Mercury. Notícia em todos – dos mais sisudos aos menos ortodoxos – os jornais do Brasil, assunto de mais de dez minutos no Fantástico, capa de uma Veja militante afirmando que a cantora fez da união homossexual uma questão inadiável, a mulher que recriou o Carnaval da Bahia e o transformou numa das mais lucrativas franquias musicais do País está leve e serelepe como uma bailarina de trio elétrico.

"Não estou sofrendo discriminação, tenho recebido apoio e simpatia de crianças, famílias inteiras, lendo textos lindos na internet", diz ela, convertida em musa de primeira hora do antifelicianismo que assola a nação. Dona de quase cinco milhões de citações no site de buscas Google, a cantora atualmente mais falada do Brasil vem, depois de oito anos, ao Recife com um show completo. E chega com uma disposição de pinto no lixo para politizar a festa. "Sou o próprio manifesto dos direitos humanos andando!", brincou, por telefone, de Salvador, onde ensaiava em seu estúdio na última terça.

Mercury é escalada como cerejinha de um bolo com muito chantilly para a edição especial da Odara Odesce. A festa mensal, capitaneada pelas DJs Lala K e Alana Marques, faz um público com pecha de descolex, muitos gays incluídos, rebolarem ao som de hits tropicalientes regurgitados dos 1980 e 1990. "Já tínhamos fechado com Daniela antes de isso tudo acontecer", diz Lala.

"Venho de uma geração educada por gente como Chico Buarque, por Vandré, Gonzaguinha, gente que se posicionava sobre as coisas. Quero uma arte contemporânea, não panfletária, mas sinto falta de uma música mais interativa. É como se não se pudesse falar de nada sério no Brasil. Como se um show jamais pudesse levantar questões. Tô de saco cheio, não quero dar lição de moral. Mas não posso me calar", diz a atual esposa da jornalista Malu Verçosa.

Apesar da onipresença de seu nome, Daniela diz que a exposição massiva não repercutiu na agenda de shows. "Não percebi diferença. Continuo com uma média de seis a oito shows por mês", o que, segundo comenta, lhe exigem uma média de 323 trechos aéreos por ano. "É muito para mim. Quero ter tempo para viver a minha vida, minha casa, meus filhos", diz ela, matriarca de uma prole de cinco. Ela estava no meio da turnê portuguesa, com saldo final de mais de 500 mil pessoas no público, quando decidiu publicar suas fotos com a atual namorada no Instagram. "A gente não tinha ideia de que o assunto tomaria essa dimensão", diz ela que, entre outras tarefas, é dona e administradora da própria obra.

Símbolo da porção mais afro de samba-reggae que se tornou matriz de subgêneros como o axé-Britney-Spears de Claudia Leitte, Daniela conseguiu, depois de muito cafezinho com advogados, se tornar a dona do que criou. Tem editoras que lhe representam nos Estados Unidos e na Europa. À boca miúda, produtores locais dizem que seu cachê varia entre R$ 80 mil e R$ 120 mil. Um valor que a situa num andar intermediário na pirâmide social da MPB – Ivete Sangalo dificilmente balança os quadris por menos de R$ 500 mil; Marisa Monte leva quase sempre R$ 300 mil para casa na Urca depois de soltar a voz. Em off, gente acostumada a contratar estrelas da sacolejante música baiana diz que a notoriedade lastreada pela vida pessoal parece não ter inflacionado o custo da mulher que, 20 anos atrás, explodiu com mais de um milhão de cópias vendidas de seu Canto da cidade e obrigou o resto do Brasil a dançar o que ditava os trios elétricos baianos.

Mas Daniela Mercury não é igual às cantoras que ajudou a forjar. Não gosta de – nem faz – micaretas ou Carnavais fora de época. "Fiz só uma vez o antigo Recifolia", lembra ela, sublinhando que é de outra linhagem. "Não há só um tipo, há vários tipos de axé. Eu, Brown e Margareth somos meio isolados, somos a porção mais negra dessa música".

No próximo sábado, Daniela Mercury traz o show que apresenta nos últimos anos, o polissêmico e polifônico Canibália. "É uma síntese do que eu sou nessa busca de originalidade. Mistura de candomblé com drum n’bass, twist com samba", diz ela, que, sem esquecer a verve mpbística dos primeiros tempos, traz clássicos como Baixa do sapateiro "com elementos eletrônicos, samba de roda e bossa nova". "Vou fazer uma versão samba-funk de Mas que nada", adianta.

Recentemente agraciada com o prêmio Parada Gay de São Paulo, a cantora vem tranquila na condição de ícone. "Tava na hora de se ter outro tipo de postura diante da liberdade sexual", diz ela, filha de reitora universitária, irmã de socióloga, para quem a recente ideia do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Marcos Feliciano, de transformar em lei o projeto de cura psicológica da homossexualidade, "é um descalabro". "Falo disso tudo nos shows, inclusive no Carnaval", diz ela, cujos discursos públicos são itens do audiência no YouTube.

Com o excesso de exposição, o corriqueiro da vida parece lhe ter revelado sabor pronunciado. Paparazzi não lhe assustam. "Tento levar a vida de maneira muito desprendida. Eu sou um E.T. por outros motivos, sou muito livre. Mas não me afasto do mundo real de jeito nenhum", diz ela, cantarolando os versos de uma de suas canções-emblema: "Meu bem o ciúme é pura vaidade, Se tu foge, o tempo logo traz ansiedade, respirar o amor aspirando liberdade."

A baiana acaba de aprovar autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,5 milhão para a produção de dez shows acústicos. "Sou uma filha de Gilberto Gil nos arranjos, nos ritmos. Busco que arranjos originalíssimos, sou uma cantora de samba-jazz" diz ela, insinuando e ao mesmo tempo se negando a informar que seu próximo disco traz uma Daniela mais MPB – como as amigas Adriana Calcanhotto ou Zélia Duncam. "Não vou falar sobre isso agora", despista. Por enquanto, o futuro musical de Daniela Mercury não pode sair do armário.

Daniela Mercury, sábado, 22h, no Baile Perfumado. Ingressos (com open bar) por R$ 100. Vendas pelo site http://www.eventick.com.br/Na Rua Carlos Gomes 390. Ao Lado do Jockey Club (Antigo Cavalo Dourado). Prado,  Recife,  Pernambuco. Informações • (81) 3033.4747

 

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