Poucos palcos suportaram tanto peso como o do Madison Square Garden naquela noite de 16 de outubro de 1992. Bob Dylan tinha 51 anos, completava 30 de carreira e dormia sobre uma pilha de 28 discos lançados. Um gigante por onde qualquer boa canção norte-americana feita depois de 1962 passava, querendo seu autor ou não.
Dylan não estava sozinho. Ganhava seu primeiro grande tributo em vida, realizado por uma lista impressionante de convidados que cantariam suas canções. Stevie Wonder, Lou Reed, Eddie Vedder, Tracy Chapman, Booker T, John Mellencamp, Johnny Cash, Willie Nelson, Johnny Winter, Ron Wood, Richie Havens, The Clancy Brothers, The Band, Tom Petty, Neil Young, Chrissie Hynde, Sinead O’Connor e mais dois cavalheiros que garantiriam tributos mesmo se resolvessem fazer shows solos: George Harrison e Eric Clapton.
A noite sem-fim é lançada agora pela gravadora Sony em três formatos. Caixa com dois CDs, outra com dois DVDs e Blu-Ray. Além do material que já era conhecido, o DVD traz três faixas-bônus (Leopard-skin Pill-box Hat, com Mellencamp; Boots of Spanish Leather, com Nancy Griffith e Carolyn Hester; e Gotta Serve Somebody, com Boker T ? e Don’t Think Twice, It’s Alright, com Eric Clapton). De vaias a apoteoses, quase tudo aconteceu em 4 horas de show.
O bônus do CD com Sinead O’Connor cantando I Believe in You é valioso justamente por mostrar o que ninguém viu. Poucos dias antes do concerto, O’Connor havia rasgado uma foto do papa João Paulo II diante da estrondosa audiência do programa Saturday Night Live. Era sua forma de dizer que queria uma abertura maior ao diálogo por parte da Igreja. Mas os norte-americanos não ofereceram a outra face e a receberam com vaia, muita vaia. Sua expressão de monge se transfigurou e ela perdeu a calma. Sem mais resistir à ira da plateia, mandou a banda parar a introdução. O cantor Kris Kristofferson tentou salvar a noite, indo ao seu ouvido dizer “não deixe os bastardos a colocarem para baixo”. Mas O’Connor esbravejou e saiu de cena às lágrimas. A faixa que só agora sai no disco havia sido gravada durante a passagem de som.
O assunto durou mais do que deveria e, de certa forma, reduziu à época o tamanho de uma das maiores noites do rock a uma lamentável pendenga pessoal da cantora irlandesa. Agora, 22 anos depois, tudo aparece em seu devido lugar, com sua devida importância.
Para citar quatro momentos grandiosos: Richie Havens fazendo uma Just Like a Woman de estarrecer, só ao violão, diante das 18 mil pessoas da plateia; The Band tocando When I Paint My Masterpiece como legítimos caubóis; George Harrison em sua primeira aparição nos Estados Unidos depois de 18 anos de distância com Absolutely Sweet Mary; e o próprio Dylan, ao final, dividindo Knockin’ On Heaven’s Door com todos que haviam passado pela noite. Quinze deles já estão mortos.