Quando pensamos na música produzida em Pernambuco, o nosso olhar costuma se limitar ao Recife e Olinda, ignorando as possibilidades presentes em todo o território do Estado. Porém, mesmo distantes dos holofotes e do fluxo intenso da capital, cidades como Santa Cruz do Capibaribe, Belo Jardim, Caruaru e Surubim são celeiros de novos artistas e com uma movimentação cultural própria.
De modo geral, a característica que permeia esta nova geração de músicos é um certo desapego da afirmação identitária regionalista – especialmente quando colocados em paralelo com Cordel do Fogo Encantado e Mestre Ambrósio, as últimas bandas de peso a saírem do interior. Ainda que com influências locais, a linguagem e as texturas sônicas de bandas como Aquamans, Beth Morfina, Nunes, Dentes Azuis ou mesmo do cantor Almério – que utiliza a alfaia pernambucana – se inserem num fluxo da cultura pop global. É uma cena variada, que inclui projetos de blues, folk, metal extremo, algumas vertentes de rock, entre outros.
A maior parte desses artistas costuma tocar apenas nas cidades vizinhas e não chega à capital. Porém, cada vez mais os grandes festivais do Recife têm voltado os olhos para o interior. Este ano, o Abril Pro Rock apresentou o cantor e poeta Pierre Tenório (de Belo Jardim) e a banda Em Canto e Poesia (de São José do Egito, no Sertão do Pajeú). Almério (do município de Altinho, próximo a Caruaru) tocou no APR de 2015 e este ano foi escalado no Rec-Beat numa noite com Liniker e Johnny Hooker.
Em sua última edição, o Coquetel Molotov realizou uma etapa em Belo Jardim com shows, oficinas e exibição de documentários musicais. Em 2016, a etapa na cidade é intensificada: a organização lançou um edital para selecionar duas bandas da região Agreste do Estado para tocar no festival, promovendo a música local.
“Temos uma atenção pro interior, sim. Tanto que uma das maiores revelações do festival foi o Cordel do Fogo Encantado, em 1991, quando ainda não era nem uma banda. O Samba Coco Raízes de Arcoverde também teve uma projeção com a gente. E agora teve Almério, que tem um futuro pela frente”, observa Gutie, produtor do Rec-Beat. “É muito importante essa interiorização. Você vê o Festival de Inverno de Garanhuns com 20 anos e não revelou uma banda de lá”, ressalta.
“A gente queria expandir o festival. Então tivemos patrocínio do Instituto Conceição Moura e das Baterias Moura e surgiu a possibilidade de fazer essa etapa em Belo Jardim, que é onde eles estão sediados”, conta Ana Garcia, produtora do Coquetel Molotov. “Esperamos agora receber mais material de bandas do interior. Nunca recebemos material de lá. Não é por uma questão de timidez, mas é falta de contato mesmo. Por isso fizemos esse edital e a ideia é dar um feedback pra todo mundo, mesmo que não seja selecionado. E uma das oficinas dessa ano é de elaboração de projetos culturais, pra incentivar a participação do artistas”, completa.