A música pop tem uma história marcada por grandes produtores/arranjadores que, como escultores perfeccionistas, dedicaram-se a buscar o pop perfeito, uma canção redonda, mínima, mas envolvente e rica nos mínimos detalhes de arranjos e timbre. O Brasil possui uma rica tradição de mestres do estúdio, que vai dos icônicos Eumir Deodato, Marcos Valle e Lincoln Ollivetti, nos anos 1960 e 1970, passando por Liminha, chegando até os contemporâneos Beto Villares e Kassin. Lançado hoje, Miocárdio, o primeiro álbum solo do músico, compositor e produtor pernambucano Barro filia-se justamente a essa linhagem musical, caminho pelo qual o artista Felipe Barros, seu nome de pia, que agora, solo, assina apenas Barros, já trilhava junto com a Bande Dessinée.
“Esse disco segue a mesma lógica, a mesma crença. Eu gosto muito de música pop. Eu vejo como um ambiente rico de criação, que traz uma ideia de arranjos, de composição e de timbragem não como algo descartável, pasteurizado, mas como algo refinado”, comenta. “De um tempo pra cá, inclusive no próprio processo de construção da banda, eu fui me apropriando mais das ferramentas de produção. Começando com a Dessinée, depois trabalhando com outros artistas, Muta, Paes, Carlos Ferrera. Fui vendo que tinha um outro caminho de sonoridade a se explorar. Eu vi que daria pra criar outra história, com outros alicerces sonoros, explorando também eu cantando de frente”, diz Barro.
“As primeiras ideias vieram sobretudo em 2014”, conta. “Foi o ano em que eu entendi que a banda é o lugar de encontro daquela pessoas e daquele grupo em específico. Já no trabalho solo são os meus encontros, um coletivo que pode ser móvel e moldado, que tem eu como figura catalisadora principal, mas que agrega muita gente”, completa.
Para esta experiência, ele juntou forças a um time de peso. A banda de Miocárdio é formada por Ricardo Fraga (bateria, sampler e baixo) e Guilherme Assis (baixo, sintetizador, teclado e sampler), com participações de Rogério Samico (produtor do Sacaracotia, guitarras e violão), Dengue (da Nação Zumbi, no baixo) o paulistano Gui Amabis (produção musical e teclados), Jam da Silva (bateria), Gilú Amaral (percussão), além do tecladista Ed Staudinger, companheiro de Dessinée.
Barro também contou com a presença ilustre de quatro cantoras: a paulista Juçara Marçal, do Metá Metá (no balanço suave de Nouvelles Vagues); a colombiana Cataliña García na solar Volver); a italiana Serena Altavilla (numa versão em italiano do single Vai); e a canadense Lisa Moore (No Era, com um desenho rítmico complexo e bem calculado).
Este clima de celebração, junto com os arranjos criativos e os refrões fortes, envolvem o ouvinte delicadamente. Em um mundo com as rádios democráticas, seria um hit certeiro – ou será um hit certeiro, dependendo do futura da Rádio Frei Caneca.
“Vai têm duas versões no Youtube: em português, com o clipe, e a versão em italiano, sem vídeo nenhum. E versão italiana tem mais views que o clipe porque as rádios de lá tocam a música direto. Sempre que tocam, a música tem mais 500 execuções”, afirma. “Isso mostra a importância que o rádio tem no processo de divulgação da música. No Brasil a gente, músico independente, tem um problema a mais porque nossas rádios estão com a estrutura corrompida. A música não toca não é porque não boa, mas sim porque tem mil coisas por trás, há uma estrutura complexa de jabá. E também há uma falta a de identificação do público, que sabe que não vai descobrir música nova lá”, lamenta.
Mas se as rádios ainda tocam pouco o som de Barro, o público poderá vê-lo ao vivo em outubro: o show de lançamento de Miocárdio será no palco do Coquetel Molotov, com a luxuosa participação de Juçara Marçal.
Veja entrevista com Barro sobre o single e o clipe de Vai: