Em uma passagem do documentário For The Record, lançado em 2008, pouco tempo depois de um (cruelmente) documentado surto psicológico, Britney Spears afirma que uma das coisas mais duras para ela era a constatação de que não importe o que fale, as pessoas não escutam. Querem, antes de tudo, ouvir o que lhes é conveniente. Talvez por isso, ela tenha decidido se ausentar da própria carreira. Seus discos mais recentes, Femme Fatale (2011) e (o péssimo) Britney Jean (2013), pareciam obras construídas totalmente pelos produtores, um discurso automático que não precisava nem da cantora em si, mas de sua persona, do seu espectro. Para surpresa de muitos, Glory, novo disco da Princesa do Pop, traz um elemento há muito na obra da americana: presença.
Alçada à fama aos 17 anos, Britney se torno uma das figuras mais emblemáticas da cultura pop, uma espécie de Marilyn Monroe contemporânea, cujo apelo reside por vezes mais na figura do que na obra em si.
Seu posto de Namoradinha da América permaneceu por anos até que, por volta de 2007, sua saúde mental sofreu um duro golpe com idas e vindas constantes às clínicas de reabilitação – processo acompanhado com voyeurismo-urubu pelo público. Britney tornou-se motivo de piada, criou pânico do palco e se transformou em um ventríloquo. Começou, sim, a falar o que queríamos ouvir, já que sabia que de outra forma não iríamos escutar.
Em Glory, nono álbum de sua carreira, ela se mostra novamente confortável em ser ativa no discurso. Seu disco mais diverso sonoramente, a obra mostra uma artista relaxada, brincando inclusive com críticas geralmente feitas à sua voz, como em Private Show, um r&b com pegada doo wop, cantado com voz ironicamente mais nasalada com eventuais risadas, como se tivesse lembrado, de repente, que criar, estar ali, pode ser excitante.
Ela flerta com a música eletrônica em Clumsy, enquanto em Do You Wanna Come Over?, uma das suas faixas recentes mais vibrantes, ela mescla batidas sujas que evocam o seu já clássico Blackout (2007) e os melhores momentos de In The Zone (2003). Continua a experimentar nas ótimas Change Your Mind (No Sea Cortes), com toques latinos, e na sensual e minimalista Coupere Eletrique, cantada toda em francês. Slumber Party também se destaca, com vibe reggae que lembra ótimos momentos de Diplo. Já o primeiro single, Make Me, é um r&b agitado demais para ser lounge e calmo demais para ser batidão.
Em What You Need, faixa com trompetes marcantes piano acelerado ao fundo, evoca o sul dos EUA, região onde a cantora nasceu. “Isso foi divertido”, diz ela após a canção, que encerra a versão padrão do disco. As referências às suas raízes continua em Liar, que mescla música country com um pop refinado, resultando em uma inusitada – e ótima – faixa.
Obra coesa e fechada, Glory sugere que talvez seja isso que Britney quer dizer agora: depois de todo o tumulto, ainda é possível dançar e se divertir nos seus termos. Ela tem consciência que as pessoas continuarão escutando apenas o que querem. Mas, ao menos dessa vez, parece não se importar. Ouçam o que quiserem, e se quiserem. Às vezes o importante é falar. E, pela primeira vez em anos, pode-se dizer: Britney Spears está presente.