Músicos brasileiros usam fitas k7 como elemento de criação artística

Além do fetiche nostálgico, artistas exploram uma poética sonora das fitas
GGabriel Albuquerque
Publicado em 28/09/2016 às 9:36
Além do fetiche nostálgico, artistas exploram uma poética sonora das fitas Foto: Foto: Larissa Vescovi/ Divulgação


Depois do vinil, a fita cassete vem ganhando ares de cult, sendo anunciada como um formato retrô e descolado de se ouvir música. A moda está não só entre os indies. Eminem, Justin Bieber, Weezer, Jack White, Snoop Dogg e Skrillex são alguns nomes de peso que aderiram ao formato. “As pessoas querem ter uma relação mais próxima com a música. Elas não se contentam mais em baixar e ter no HD, querem a coisa física”, comentou Marcelo Gross, guitarrista da Cachorro Grande que lançou este ano um álbum solo em k7, em entrevista ao Jornal Nacional.

No entanto, para além deste fetiche pelo objeto, artistas exploram a fita cassete como uma ferramenta criativa, inventando uma espécie de poética do k7. É o caso do carioca Lucas Pires, artista sonoro do coletivo multimídia DEDO. No álbum Necrofilia/Propaganda (2003), de seu projeto solo Mortuário, Lucas experimentou enterrar fitas cassete para obter um novo aspecto sonoro através da decomposição; em outras, fez riscos com ímãs ou grampos. No recém-lançado c32, agora sob o nome aka Mortuário, ele fez gravações em fitas mofadas.

O trabalho foi apresentado em show na segunda edição do Festival Internacional de Música Experimental em São Paulo, em junho. Os artistas não subiram no palco, que era ocupado unicamente por uma mesa com uma montanha formada pelas 600 fitas utilizadas na construção do álbum, arremessando o público no próprio resultado material da cultura do descarte e frenesi tecnológico. 

Selo Meia-Vida se inspira na degradação

Fundado em 2012, o selo independente Meia-Vida, de Curitiba, tem um trabalho singular com k7s. Criado em 2012, o seu catálogo inclui discos dos projetos Objeto Amarelo, Cama Desfeita, Excria Reverbera, do francês Vomir, entre outros. 

“A gente curtia muito a estética de lançamentos de noise e música industrial nos anos 1980 em cassete, mas se questionava sobre o motivo de lançar nesse tipo de material na era pós-MP3”, conta Aline Vieira, artista visual e sonora, cofundadora do selo ao lado do músico Gustavo Paim.

Capa do K7 de F.F., álbum do projeto Flores Feias, de Aline Vieira

“Chegamos ao ponto chave: meia-vida e a sua polissemia. Há a meia-vida que a gente acaba levando pra sustentar o que gosta. Quando não se nasce privilegiado, para conseguir equipamento, material, para levar projetos adiante, a gente precisa trabalhar, ter outra meia-vida que alimenta essa produção", explica. "Meia-vida também é aquele conceito da química que significa um tempo característico de decaimento exponencial, um período de semi-desintegração dos elementos. Os elementos radioativos perdem meia-vida, contaminam tudo por onde passam, semi-desintegram a cada contato, mas essa desintegração nunca chega a zero, nunca acaba definitivamente. Não há aniquilação, sempre há meia-vida. Parece até uma resistência”.

Ela prossegue: “Dessa forma, a fita cassete nos pareceu uma material muito coerente com a proposta do selo. A fita, além de ser manipulável, possui uma degradação com o tempo, e quanto mais degradada mais ruidosa ela se torna. Com esse nome, a gente buscou uma força na degradação”.

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