Chico Buarque: o novo machista?

Versos da nova canção do compositor provocam reações da geração do empoderamento feminino e do lacre
Bruno Albertim
Publicado em 11/08/2017 às 17:24
Versos da nova canção do compositor provocam reações da geração do empoderamento feminino e do lacre Foto: Divulgação


Do autor de trilhas sonoras de romances hormonais de várias gerações e dono do título de maior intrépete das subjetividades femininas, Chico Buarque, agora, quem diria, é acusado de arauto do machismo. Sim, estamos fechando a semana em que o “Tribunal do Facebook” colocou no banco dos réus aquele que já foi uma das unanimidades nacionais e ainda encarna um dos raros gênios da raça capazes de sintetizar, sozinho, toda a música brasileira. Chico já não pode versar diante da geração que colocou na pauta, no vocabulário e no cotidiano o lacre, a sororidade e o empoderamento feminino. Não sem ouvir muito barulho de volta.

A grita contra o sexismo de Chico (para quem, por algum milagre, não deslizou o dedo pelo teclado nos últimos dias), começou tão logo ele lançou, no último dia 28, Tua cantiga,single do que será Caravanas, seu 23º álbum de carreira, previsto para ser lançado na segunda quinzena deste mês. Musicalmente, a nova e anêmica parceria entre Chico e Cristóvão Bastos, dupla que já foi responsável pela inspiradíssima Todo Sentimento seria apenas uma inédita de Chico após seis anos. Mas um dos versos de Tua Cantiga acertou em cheio o âmago da militância pela nova equidade de gêneros e sexualidades com um smartphone na mão. Eis os versos espinhosos: “(...) Quando teu coração suplicar / Ou quando teu capricho exigir / Largo mulher e filhos /E de joelhos /Vou te seguir / sem incorrer em melodias. (...).

Os machistas, de alguma forma úteis, como inimigos estimulantes, ao discurso do empoderamento feminino, serão sempre os machistas: estarão lá para serem combatidos. Mas Chico Buarque mudando de campo? Seria um eclipse demasiado radical. E logo o filho de seu Sérgio Buarque foi acusado de ter sido sempre esse macho patriarcal disposto a reificar a mulher que agora seus versos, num ato falho, revelariam.

Um dos primeiros ataques veio da produtora cultural e colunista Flávia Azevêdo, cujo texto publicado na última segunda provocou a cascata de artigos seguintes. “Desta vez, no painel das emoções femininas, Chico apertou um botão controverso. Essa mulher que ele evoca, não sou eu. Nem a que somos nem a que queremos ser. Essa que precisa ser salva, que sonha com o reino do lar, essa que goza ao ouvir "largo mulher e filhos" (...) Esse negócio de largar filho não desceu. Não funcionou”, disse, para disparar: “A gente broxou com a narrativa de um amor covarde, com o canalha fantasiado de super-herói, com esse amante infantil e antigo, com esse tipo de amor... datado. Esse cara, esse personagem trazido por Chico (e tão conhecido entre nós) não faz mais sucesso. Porque a gente mudou e até o nosso romantismo está, sim, numa outra vibe”.

LACRE

Rechaços vieram também de homens, heterossexuais, como Chico: “Chico parece preso a uma visão da mulher – e da relação homem-mulher – dos anos 70 do século passado. Para as mulheres lacradoras com menos de 30 anos, essa ladainha de promessas e súplicas não diz mais nada: elas não querem um homem que largue mulher e filhos; aliás elas não querem homem casado, pra princípio de conversa. Largar mulher e filhos? Que cafajestada é essa? Muito menos um homem capaz de uma cantada como “Na nossa casa serás rainha”, escreveu, no Globo, o editor de livros e escrito Leonardo Trigo.

Chico já escreveu a partir de “eus” líricos os mais variados politicamente corretos e incorretos possíveis: prostitutas, amantes patológicos, donas de casa submissas, malandros. Pode ser que não tenha a capacidade - ou mesmo vontade - de se comunicar subjetivamente com a geração da pós-masculinidade patriarcal, do lacre, do empoderamento. Mas dizer que sua nova canção sobre dois adúlteros (isso que é a música é) é um libelo pelo machismo seria o mesmo que a acreditar que Cazuza iria mesmo, pelo amor amado, como disse um dos vários internautas a respeito, de fato mendigar, matar, roubar. A mesma geração que quer liberdade e igualdade de gêneros também está disposta a patrulhar quem não se lhe filia liricamente.

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