O samba da Bahia na voz de Jussara Silveira

Admirada por Arnaldo Antunes e Gal Costa, cantora se apresenta terça, no Recife
Bruno Albertim
Publicado em 18/08/2017 às 15:00
Admirada por Arnaldo Antunes e Gal Costa, cantora se apresenta terça, no Recife Foto: Divulgação


Sobre ela, diz Arnaldo Antunes: “Uma intérprete de densidade emocional extrema, que não deságua em dramaticidade”. Inspiradora também para nomes como José Miguel Wisnik, Caetano Veloso e Maria Bethânia, com seus 11 discos de carreira, voz suave e firme, sem concessão a afetações fáceis, Jussara Silveira chega, de novo, ao Recife. Com um recente e já bem cultuado disco em que homenageia Gal Costa revisitando o repertório da conterrânea, Jussara é a atração do projeto Samba de Bamba, terça-feira, com preços populares, no pequeno teatro da Caixa Cultural do Recife. Canta ao lado do percussionista e baterista Marcelo Costa, produtor de três de seus álbuns, e do violonista Muri Costa.

Filha de baianos e nascida, por um acaso, em Minas Gerais, Jussara canta, neste show, a grande Bahia arquetípica que constitui uma das colunas da brasilidade. “Muita coisa aconteceu, mas se pensarmos nos quatro ases, Jorge Amado e Dorival Caymmi. E, depois, Pierre Verger e Carybé, vemos que são eles quem construíram esse imaginário”, diz ela, lembrando o historiador Antônio Risério quando afirmava que, entre o existir e o não existir de fato, a Bahia seria uma espécie “de utopia de lugar chamada Caymmi”.

“As praias estão sujas, a Boa Viagem está cercada de prédios, mas Itapuã existe”, diz ela, sobre a poética mítica e concreta baiana. “A música sustenta esse imaginário, vai levando essa Bahia. Eu estou fora, morando no Rio há 24 anos, mas volto sempre, é um lugar que sempre me emociona. Caymmi e Amado, se pensarmos, criaram essa Bahia”, diz a cantora.
Com o disco e show recentemente lançados em torno da figura da Gal Costa que compõe, também, um arquétipo sobre o panorama da música brasileira, Jussara Silveira tem um repertório que vai de brasilidades bem específicas a canções lusas. Não é, propriamente, uma sambista. “Não, não sou especificamente uma sambista, mas, ao olhar para minha carreira, percebo que gravei muito do samba da Bahia”, lembra a cantora que faz temporadas históricas na Lapa, um dos berços perenes do samba carioca, ao lado de novas musas do gênero como Tereza Cristina.

Jussara, aliás, nem tinha pensado em gravar o seu referencial Canções de Caymmi seu segundo disco, quando se viu na rede do mestre. Ronaldo Bastos, o compositor, a convidou e a convenceu. “Caymmi, a gente já nasce cantando e amando. Em 1998, ele me propôs fazer o Canções de Caymmi, mas eu disse: ‘Ronaldo, Caymmi já tá muito bem cantado, além se ser ele mesmo o melhor intérprete de sua obra. Ele insistiu para que eu fizesse uma canção pruma coletânea”, ela lembra. Tão logo a baiana de Minas acabou de cantar Vem pra beira do mar, Ronaldo rechaçou sua negativa. “Tá vendo porque eu quero que você faça”, disse Ronaldo, e o disco aconteceu. Sua versão de Lá Vem a Baiana fez parte da trilha sonora do filme hollywoodiano Separados pelo Casamento, uma comédia romântica com Jennifer Aniston e Vince Vaughn.

Nesse show, Jussara não se recolhe ao calor dos mestres mais icônicos. Jussara Silveira, seu disco de estreia, há quase 20 anos, trazia Espera, um samba de Batatinha e Ederaldo Gentil, dois sagrados (e menos conhecidos) monstros do samba praticado em terras baianas.

Ainda em 1998, participou do disco Diplomacia, de Batatinha, cantando Ironia. Gravado por nomes que vão de Chico e Caetano a Claudia Leite, Oscar da Penha, falecido em 97 e batizado de Batatinha num programa de rádio por Antônio Maria, é conhecido pelas lindas canções de tristeza e desilusão feitas, sem qualquer contradição, para o Carnaval.

TRISTEZA QUE BALANÇA

Um dos autores prediletos da Jussara, ele é contemplado no show. “Ele fazia sambas quase fados nas letras. Mas há também um samba em que Batatinha pede licença à tristeza, uma tentativa de se afastar da coisa triste. E o samba por si só, pelo ritmo, pela maneira como se apresenta, nos bares, com bebida, se torna uma coisa vigorosa, extremamente alegre. Psicanaliticamente, ele carrega essa tristeza, mas traz a coisa da alegria de ir pra rua, extravasar, fazer o que quiser, isso está em vários sambas, basta ouvir Heveraldo Gentil ou Riachão, que são totalmente pra fora, extravasados”, diz ela, fã também de novos “sambistas”, entre eles, o pernambucano Zé Manoel. “Ainda não gravei com Zé Manoel, mas qualquer hora, isso vai acontecer”.

 

No show, a cantora se faz acompanhar também da caixinha de fósforos que era marca de Batatinha. E o repertório segue por latitudes que vão de Assis Valente aos mais jovens autores, como Tiganá Santana, Moreno Veloso, J. Velloso e Paquito.
Com o nome A ordem é sambar, o show teve título emprestado da canção de Jackson Antunes. “Quando recebi o convite, imediatamente pensei na música, mas, curiosamente, ela não está no repertório”, diz a ex-backing vocal de Caetano cujo timbre vocal, quando de sua estreia, foi comparado ao da própria Gal. As canções serão apresentadas sob a projeção de imagens da Bahia dos anos 1950 gravadas pelo cineasta Alexandre Robatto. Imagens, como percebe a própria cantora, “extremamente musicais”.

Com arranjos e direção musical de Dori Caymmi, Jussara está correndo o País também, ao lado de Renato Braz, com o show derivado do disco Fruta Gogoia. E chega ao Recife já com vontade de voltar para apresentar o espetáculo em torno da musa tropicalista de quem é fã desde o útero. “Os deuses vão nos ajudar, e já traremos esse show para cá”, ri. Seu riso, por enquanto, se articula na cadência baiana do samba.

Samba de Bamba com Jussara Silveira. Terça, 22, às 20h. Teatro da Caixa Cultural – Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife. Fone: 3425-1905. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada), à venda no dia do show, a partir das 10h, na bilheteria do teatro.

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