Na edição #17 da temporada 2017 do Interdependente - música e conhecimento, o guitarrista, Lucio Maia, fala sobre o processo de escolha das músicas, de arranjos do álbum Radiola Z, Volume 1, no qual, além de Gil, a banda pernambucana faz suas interpretações de obras de David Bowie, Tim Maia, Roberto e Erasmo Carlos, Marvin Gaye.
Lucio também falou com a gente sobre a mudança de direcionamento do som da Nação em relação ao uso das alfaias, da morte do ex-integrante Gira e sobre a situação política do país. O músico fez críticas à onda reacionária, mas se disse otimista quanto a uma mudança para melhor, no futuro.
Interdependente - De que maneira vocês chegaram ao repertório desse disco? Como se deu a escolha das músicas?
A escolha do repertório foi a parte mais fácil, porque a gente fez uma lista, cada um deu algumas sugestões, e a gente foi cruzando as listas e muitas músicas existem em comum. Se não foram músicas específicas, foram artistas como Tim Maia, David Bowie... Esses artistas a gente tava já visando gravar alguma coisa deles... Depois a gente decidiu o que gravar. Mas foi assim, de uma maneira bem livre e espontânea. Algumas coisas eram viáveis, outras a gente achava que não tinha nada a ver. Mas houve também alguns momentos, dentro do estúdio, de a gente [pensar]: "vamo gravar essa música agora? vamo!". E a gente fazer o arranjo na hora e ficar lá. De cabeça não vou lembrar qual... Mas acho que "Não há dinheiro" foi uma das canções que a gente resolveu gravar em cima da hora. Enfim, foi mais ou menos nesse formato, todo mundo sugerindo e a gente o que rolava e o que não rolava.
Interdependente - Como vocês trabalharam a questão dos arranjos? Houve uma construção durante os ensaios, por parte de todos, de alguém em específico ou algum outro modo que não listei?
A gente trabalha desde sempre do mesmo jeito. Entra no estúdio e começa a tocar. Vai fechando as arestas, vendo o que fica legal o que não rola. Há sim sugestões de um por outro, mas normalmente de uma maneira bem tranquila... A banda é muito fácil de trabalhar dentro do estúdio, a gente não tem problema com isso. E, ao mesmo tempo, temos essa desenvoltura, característica nossa, de cada um trabalhar para a construção de um todo. Sempre foi dessa forma coletiva. Os arranjos sempre foram montados de forma coletiva.
Interdependente - Algumas pessoas têm comentado que a presença das alfaias, dos tambores, está ficando cada vez menos audível. Eu, particularmente, acho que não. Eu escuto perfeitamente, só que elas estão sendo utilizadas e gravadas de maneira diferente do passado. Mas o que vocês poderiam comentar a respeito?
Bem, foi como você mesmo falou, em relação às alfaias. As pessoas ficam querendo, às vezes, um revival daquela época de Chico Science & Nação Zumbi. Isso pra gente não tem sentido. Pra mim, não é uma construção, é uma repetição - a partir do momento em que você começa a voltar muito para o passado, para querer aquele saudosismo. "Ah, os tambores naquela época eram muito mais presentes!". Eram, mas mudou, a banda foi mudando, foi procurando outros sons, outras coisas. Nação Zumbi vai repetir aquilo. Sei que muita gente prefere aquela época, porque tem essa questão toda do nacionalismo, do maracatu etc., que pra gente foi muito importante e é até hoje. Porém, não é mais a mesma premissa. Então, tem muito mais gente, hoje em dia, que gosta da Nação do jeito que ela olha pra frente, sabe? Não que a gente esteja renegando o passado. Mas pra mim não faz sentido ficar repetindo as fórmulas que a gente já fez, as coisas que a gente já criou.
Se parar pra ouvir, os tambores estão lá sim no disco, estão presentes. Porém, o que a gente perdeu dentro da Nação foi uma certa liderança, dentro do tambor. Acho que desde da época que Gira saiu da banda. Gira era o grande entusiasta do tambor. Ele sempre foi o mestre do tambor da banda. Não foi por uma questão profissional [que ele saiu] e sim por uma questão de saúde. Ele entrou numa depressão profunda, que o fez não conseguir mais trabalhar e nunca mais voltou a ser a mesma pessoa. E culminou com o falecimento dele, no começo desse ano. Todos nós ficamos tristes, porém essas coisas acontecem na vida.
Os tambores perderam bastante desde a saída dele. O Jorge (Du Peixe) também que era do tambor na época, foi assumir o vocal. Então, o tambor teve realmente uma defasagem artística forte nesse sentido, [de ter havido] uma pessoa que cuidava só dos tambores. Hoje em dia, eles fazem meio que parte do conjunto geral da percussão e a gente tenta enquadrar os tambores nesse aspecto. Como se tivesse fazendo parte de um todo. Não existe mais aquela coisa que o tambor se sobressai porque talvez dessa força motora que era Gira naquela época. Ele sim dava uma assinatura para o instrumento, que era muito bacana pra gente. Porém é isso que te falei: a banda mudou, a gente procurou outros rumos, outros horizontes.
Daí o tambor realmente ficou relegado a se encaixar ao resto da percussão como um todo e não como aquela coisa que transparecia tanto no começo da banda. Acho que, lá no comecinho do Chico Science & Nação Zumbi os tambores tinham um aspecto meio de chegar na frente, junto com a voz e a guitarra. Depois, acho que todo mundo foi se encontrando e arredondando as arestas e a gente se tornou uma coisa só. Não tem mais aquele aspecto de destaque.
Mas os tambores fazem parte da Nação Zumbi e vão fazer parte para sempre. É uma característica nossa. Essa fórmula foi uma coisa que a Nação criou e ela é a única que detém esse formato.
O Brasil está passando por um momento de avanço conservador e reacionário. Como a Nação se posiciona diante deste cenário?
Mas os tambores fazem parte da Nação Zumbi e vão fazer parte para sempre. É uma característica nossa. Essa fórmula foi uma coisa que a Nação criou e ela é a única que detém esse formato.
Interdependente - O Brasil está passando por um momento de avanço conservador e reacionário. Como a Nação se posiciona diante deste cenário?
A Nação Zumbi está sofrendo igual a todos os outros que não compactuam e não fazem parte, cara, dessa virada reacionária mundial. Porém acho também, tenho esperança de que tudo isso vai mudar. Sofremos um golpe terrível, com o apoio da população, que hoje em dia se cala e se esconde atrás da própria vergonha - o que eu chamo de covardia. O covarde é aquele que além de fazer a merda, não assume e se ausenta da responsabilidade. Portanto, acho que talvez essas pessoas, esses "covardes" estejam um tanto quanto infelizes como nós, que não fizemos parte desse golpe, que não fizemos parte dessa mudança para pior.
Porque é visível o quão o país piorou desde a época da Dilma, o quão o país ficou tenebroso e trevoso desde a época do Lula. Portanto, se a gente for sentar pra fazer comparações, a coisa é absurdamente díspare uma da outra. Então a gente tá sofrendo sim. Mas a gente tem grandes esperanças para o futuro. Logo, logo vai ter as eleições, no ano que vem, e há uma possibilidade de mudança também. Então vamos ter esperança, porém estamos muito tristes, muito combalidos com essa questão dessa revolução reacionária que o mundo tá tendo.
E o Brasil se demonstrando, explicitamente racista, preconceituoso, classista. Então, todos esses males, digo culturais e sociais estavam meio que soterrados talvez por causa da liberdade por causa da condição unificada das pessoas... que de repente o pobre pôde andar de avião, o pobre poderia comprar um liquidificador, um ventilador pra sair do calor, comprar uma geladeira pra poder guardar uma comida. E isso fez muita gente ficar com raiva, se sentir mal por ver o pobre evoluir.
Então essa doença social que se chama reacionários... essa doença tem cura e o remédio está por vir. E esse remédio vai vir através da consciência brasileira de que as coisas não estão bem. Como falei antes, houve uma certa covardia, principalmente de grande parte da classe artística, da classe desses atores, vários jogadores de futebol, grandes ícones populares que fizeram parte disso, hoje em dia estão com o rabinho entre as pernas e estão se escondendo atrás da própria mediocridade. Isso é o que mais me incomoda. Porque se você fez parte daquilo, então levanta a bandeira até o final. Agora fazer parte do negócio e depois tirar o corpo fora e fingir que nada aconteceu, isso é de uma degradação humana terrível, é uma falta de caráter absoluta.
A Nação Zumbi sempre teve a sua integridade imexível (risos) e nós vamos continuar desse jeito. Nós vamos continuar desse jeito, vamos continuar levantando a nossa bandeira porque queremos manter esse país democrático. E a gente liga o grande Foda-se pra toda essa população reaça que quer criticar, quer julgar os outros mas tudo através da internet. Você não vê ninguém na rua, você não vê essas pessoas atrás da urnas, você não vê nenhum desses grandes reacionários fazendo nada pelo país a não ser julgando e se achando mais importante que os outros.
Enfim, tudo isso vai ter uma mudança sim. Tudo isso vai mudar e a gente tem grandes esperanças pra que isso aconteça.
As informações são da assessoria AD Luna.