Escreveram-se centenas de livros sobre a música de Paul McCartney. Poucos são tão minuciosos e mais abrangentes do que Masters – Paul McCartney em Discos e Canções (Sonora Editora), do jornalista e músico paulista Cláudio Dirani, no qual ele mapeia a obra solo de McCartney em 640 páginas. Dirani é um especialista no assunto, e lançou, em 2005, um livro igualmente detalhista, Paul McCartney – Todos os Segredos da Carreira Solo.
Dirani mantém um distanciamento crítico, apenas cita dados e fatos, sem opinar. É fã, mas não é um livro de fã, nem apenas para fãs. A paixão pelo ex-beatle transparece apenas no início do livro, quando escreve sobre uma entrevista, por telefone, dessas com tempo limitado, que não vai além de trivialidades. Vale como introdução, aperitivo para a extensa discografia de Sir James Paul McCartney.
A história discográfica do beatle Paul vai de McCartney, o polêmico álbum que colaborou para detonar o grupo e azedar as relações do baixista com os integrantes da banda, até o mais recente e elogiado disco de inéditas New (2014). “No primeiro canal da máquina, ele cantou a canção de amor, acompanhado por seu violão Martin D-28, afinal a letra era bem curtinha. Depois, ocupou o segundo com mais um violão para dar corpo à base e apanhou um livro de sua biblioteca para servir como instrumento de percussão...”, detalhes da gravação de Lovely Linda, faixa do primeiro álbum solo, lançado quando Let it Be estava engatilhado para chegar às lojas.
O mais mainstream, grosso modo, comercial, dos quatro Beatles, Paul McCartney, vez por outra, surpreendeu ao tomar decisões ousadas ou inusitadas. Foi assim há 30 anos, quando ainda existia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ele levou a banda ao estúdio e gravou um álbum com repertório sacado das suas memórias afetivas, o rock que escutava na adolescência. Queria lançar como se fosse um disco pirata. A EMI vetou e o projeto foi arquivado. Mas por pouco tempo.
Por brincadeira, seu empresário, na época Richard Ogden, mandou fazer umas cópias em vinil, com a capa em russo, e o título: Choba B CCPP, lembrando Back in USSR, rock que Paul compôs para o Álbum Branco, dos Beatles. Ele gostou tanto da ideia que acertou com a gravadora estatal russa Melodya e lançou o álbum na Rússia. O primeiro de um superstar do rock ocidental a sair com exclusividade no país. Fez tanto sucesso que acabou sendo lançado pela EMI, e incluído na discografia oficial de McCartney.
Dirani detalha o álbum, música a música, data de gravação, quem tocou o quê, assim como acontece nos demais discos. Não deixa de fora nem as sobras, nem lados B. Sabe-se, por exemplo, que The Song We Were Singing, do álbum Flaming Pie (1997), é uma viagem nostálgica de McCartney ao tempo em que começou a tocar com John Lennon. Convidou Bill Black, o baixista da primeira banda de Elvis Presley. Ao tirar um som com o contrabaixo de pau, ouviu que alguma coisa chacoalhava lá dentro. Era um jogo de cordas de violão. Do violão de Elvis Presley, que estava ali há 40 anos.
O incansável McCartney mantém, desde os anos 90, projetos paralelos, alguns experimentais, iniciados já em 1977, com o álbum Thrillington, regravação instrumental do álbum Ram (1971), sob o pseudônimo de Percy Thrillington. Em 1993, com o ex-baixista do Killing Joke (banda inglesa dos anos 80), com quem fez o obscuro e experimental Strawberry, Ships, Ocean, Forest, creditado a The Fireman (o pai dele foi bombeiro - fireman), durante a Segunda Guerra. Ainda menos conhecido é Twin Freaks, de 2005. McCartney abriu os seus arquivos para Roy Kerr, ou Freelance Hellraiser, o mestre dos mashups (grosso modo, amálgama de músicas diferentes para formar uma terceira). Um dos mais interessantes projetos paralelos de Paul, saído em álbum duplo em vinil, e em formato digital.
Paul McCartney em Discos e Canções pode ser uma obra de acompanhamento à música de Macca. Ouça-se determinado álbum, e leia-se sobre ele ao mesmo tempo. Os detalhes de cada um, com minúcias de cada faixa, levará a compreender mais o disco, ou até aprender a gostar de alguns que nem os fãs ardorosos apreciaram, caso de Press to Play, considerado um dos mais fracos da obra de McCartney.