"É duro você ter 16 anos e ver, o dia todo, as pessoas escrevendo o que acham de você online. Nas redes sociais, nas páginas de jornais, revistas..." Ao dizer isso ao telefone, Lorde, nome artístico da jovem neozelandesa Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, soa como alguém de mais de 30 anos, a olhar para um passado meia-vida distante. Escolhe as palavras vagarosamente, buscando sentimentos tão distantes e já guardados. Tem, contudo, 21 anos e acaba de lançar seu segundo disco, Melodrama, já colocado no topo das listas de melhores álbuns de 2017 por publicações importantes como a Rolling Stone norte-americana.
Mas é, ainda, tão prematura quanto quando lançou Pure Heroine, seu álbum de estreia, 2013, e tomou o mundo do pop de assalto ao mostrar que havia vida inteligente a habitar as pistinhas de dança mais fervidas e os fones de ouvidos de alta performance dos descolados que usam suspensórios e óculos de hastes grossas.
É molecota que só, como se mostrou ao fim daquele papo com o Estado. Sonhadora, das piadinhas, das gaguejadas, da sinceridade embasbacante e ainda sem os vícios das respostas fáceis das quais o entretenimento está cheio. Há, contudo, algo no furacão do pop de rádios, tabloides e tapetes vermelhos que faz um ano valer por uns cinco - muitos dizem isso e, por conta desse turbilhão, jovens estrelas teen constantemente surtam e perdem a noção da realidade. Lorde era uma garota tímida vinda da cidade de Takapuna, em Awkland, na Nova Zelândia, que escondia o rosto nas apresentações quando sua música Royals estourou. A faixa, seu grande hit do álbum de estreia, era poderosa, sombria, crua, sonhadora e guiou a guria direto para o Grammy - na premiação de 2014, ela levou dois para casa nas categorias de melhor performance solo pop e canção do ano. Na época, tinha 17 anos e passou a circular com gente como Taylor Swift e Selena Gomez, a figurar nas capas de revistas de entretenimento e específicas de música como a nova sensação do pop - com Pure Heroine, ela acrescentou um tempero gótico ao gênero.
Hoje, com Melodrama, ela ampliou seu escopo. É um disco resultado da expansão da vida da garota, nascido justamente quando ela decidiu se recolher e começar, do zero, o sucessor do álbum de estreia. Em 2015, não fez shows. No ano seguinte, foram duas apresentações. "Quem é popstar vive nesse mundo e só quer saber disso, mas eu sou uma compositora", explica Lorde, do outro lado do mundo, de Brisbane, na Austrália. A vida na estrada, "embora gratificante", como ela diz, não proporciona o material necessário para a composição de uma canção. "Posso pensar num riff, ou em algo para a bateria, mas só", confessa. "A vida na estrada faz a gente perder a noção do tempo, qual é o dia da semana, se eu estou de folga ou se tenho show", diz ela, rindo.
Para Melodrama, portanto, Lorde explica que "voltar para casa foi um movimento importante para a composição do disco. Porque eu preciso viver a minha vida para poder depois escrever. Às vezes, isso pode acontecer em dois anos, como agora, às vezes pode acontecer em cinco", ela explica. "É preciso viver para conseguir chegar a esse ponto. Eu sou bem sistemática com a minha música. Tirei esse tempo sem saber que chegaria, de fato, a um disco."
Lorde, quando fala ao Estado, estava prestes a almoçar (no Brasil, o relógio se aproximava da meia-noite) e dava fim à última perna da turnê do disco deste ano - em 2018, há mais e a garota diz querer "muito voltar ao Brasil". Tinha show naquela noite e adorou saber que o título do álbum também tem significado na língua portuguesa. E sua ideia com o disco é se aproximar do drama operístico que está em uma das origens na etimologia da palavra. "Sempre amei essas coisas grandiosas como óperas, com emoções tão fortes", ela explica. "Eu vejo esse disco como uma peça teatral, com começo, meio e fim. A tragédia me interessa, é claro, mas também gosto do cômico, dos sentimentos."
Mas como na vida real, a "peça" que é Melodrama não oferece um final feliz ou triste. Lorde concorda. "É, acho que a gente só deixa de acompanhar a vida desses personagens", explica. Com Perfect Places, um electro pop aparentemente eufórico, Lorde se despede desse disco que narra uma jornada melancólica por festas e noites intermináveis de amores disfuncionais, amizades, doses de birita e hormônios embriagados. Por fim, quais são os lugares perfeitos para essas festas? "Acho que, no fundo, é sobre não querer estar sozinha", diz ela.
Lorde sobreviveu à primeira onda, da forma que soube. E voltou com um disco ainda mais dançante, ensolarado e autoconfiante. "Meu segredo", ela conta, "foi entender que ninguém conhece você de verdade. Eles vão tentar encaixar você em algum estereótipo barato. Sabe? Como nos filmes. E eu vou ser sempre a esquisita. Aos 16 anos era duro. Hoje, eu sei que não preciso ser só isso".