Muddy Waters e Mud Morganfield, o blues de pai para filho

Caixa I can't be satisfied é uma aula com um mestre do blues
JOSÉ TELES
Publicado em 17/03/2018 às 10:43
Caixa I can't be satisfied é uma aula com um mestre do blues Foto: foto: divulgação


Quando o folclorista Alan Lomax chegou na cabana de madeira em que morava, na área rural de Coahoma County, Muddy Waters temeu por sua liberdade. Achava que o branco estava ali por causa do uísque clandestino que fabricava. Lomax andava pelos Estados Unidos recolhendo a música folclórica do país. No Sul, fez um levantamento das canções criada por afro-americanos, entre os quais Huddie Leadbetter.

 Lomax levou o equipamento de gravação para a casa de McKinley Morganfield, já conhecido como Muddy Waters (literalmente “Águas Barrentas”). Registrou várias composições inéditas, ou adaptadas, de blues tradicionais. Entre o que gravou naquelas sessões domésticas (acontecidas em 1941) estava I Can’t be Satisfied, que dali a 25 anos receberia dezenas de regravações, de jovens roqueiros.

 I Can’t be Satisfied é o título de uma caixa com 40 blues de Muddy Waters (Chess/Universal Music). Dos muitos lançamentos semelhantes, o que melhor resume a obra seminal do músico falecido em 1983, aos 70 anos. Seus discos estão na formação dos músicos ingleses (na verdade, do Reino Unido), que invadiriam os EUA, e portanto o mundo, a partir de 1964. Também no revival do folk e blues americano de início da década de 60.

 Quando Mick Jagger reencontrou Keith Richards, um amigo de infância, numa estação de trem em Londres, reataram a amizade por causa dos LP de blues que Jagger sobraçava. Entre eles discos de Muddy Waters, O grupo que formariam mais tarde, com Brian Jones, Bill Wyman e Charlie Watts, foi batizado com o mesmo título de uma canção de Muddy Waters, Rolling Stone.

 ELÉTRICO

 A demora em deixar o Mississippi foi um ponto favorável na arte de Muddy Waters. Ele só se mudou para Chicago, com trinta anos (um “senhor” para os padrões de 1943), quando já dominava a linguagem do blues e contribuiria para desenvolvê-la. Chicago tornara-se a meta dos blueseiros. No bares e casas noturnas da metrópole, porém, não dava para continuar tocando com instrumentos acústicos, tirando efeitos das cordas em facas e bocas de garrafas (o chamado bottleneck). Assim não eram escutados pela plateia ruidosa.

 Foi desta simples equação que nasceu o blues elétrico de Chicago, do qual Muddy Waters foi o principal nome. Nas oito dezenas de blues do mestre há não só variantes rítmicas do blues, como também a fase acústica de Muddy Waters, e até a psicodélica, do álbum Electric Mud (1968), quando a música popular dava guinadas de 180 graus, tornando obsoleto o passado recente. O produtor Marshall Chess quis dar uma atualizada em Muddy Waters (o que aconteceu no Brasil com Luiz Gonzaga, na mesma época).

 A hendrixiana faixa Herbert Harper’s Free Press News, com efeitos de pedaleira, reflete esta época. A linha de baixo está mais para o jazz rock de Miles Davis (a banda é formada por músicos de vanguarda). Mannish Boy pode ser escutada na versão blues elétrico de Chicago e na versão psicodélica do Electric Mud. Apesar da forçada de barra, é ainda assim um grande disco. Muddy Waters entra no clima, como se tivesse embarcado numa viagem de ácido.

Mesmo no mais, digamos, simples blues, Muddy Waters sempre acrescenta um molho especial, seja na voz, seja na guitarra, seja com o talento dos músicos que o acompanham. De sua banda saíram nomes como Little Walter, Pinetop Perkins ou Otis Spann. Sem esquecer que a parte da banda que estava com Bob Dylan quando ele se plugou, em 1965, tocara pouco tempo antes com Muddy Waters.

 MUD

 Mesmo que o nome não tivesse nada com o do pai, Mud Morganfield daria a pista da paternidade pela voz, muito parecida com a de Muddy Waters, de quem é o filho mais velho (com vários irmãos, das muitas mulheres de Muddy). Morganfield (que participou de uma das últimas edições do Garanhuns Jazz Festival) exerceu várias profissões convencionais, até 1983, quando o pai morreu, e ele se tornou músico em tempo integral.

Lançado neste mês de março, com selo da Seven Records, o álbum They Call me Mud está mais para o rhythm and blues de B.B. King, com uma boa dose de soul. A guitarra de Morganfield é muito boa, assim como sua música (ele toca baixo em três músicas). Mud assina dez das doze das faixas, com duas pinçadas da obra de Muddy Waters, Howling Wolf e Can’t Get No Grinding. e traz para o álbum a filha mais nova, Lashunda Williams, com quem faz um dueto em Who loves you. Neste disco ele se distância da influência, e da imensa sombra do pai.

 

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