Na última década, Nicki Minaj foi onipresente. Em um curto período, ela quebrou recordes de veteranos como Aretha Franklin, se estabelecendo como a mulher que mais emplacou músicas na principal parada de hits dos Estados Unidos, mais de 80, segundo a revista Billboard. Mesmo com o êxito comercial, ela não se viu livre do machismo dentro da indústria e, com a ascensão de novas artistas, especialmente Cardi B, não foram poucas as insinuações de que o reinado de Minaj estava acabado. Como resposta, a rapper lançou na última sexta-feira (10) seu quarto disco, intitulado Queen (Rainha, em português), em que busca experimentar mais com suas rimas e com gêneros musicais.
Antes de falarmos do álbum, é importante fazer uma breve análise sobre a questão de gênero dentro do rap. Ainda que as mulheres sejam parte integral do movimento hip hop desde sua criação, a importância delas é historicamente marginalizada tanto por fãs quanto por críticos musicais. Constantemente colocadas umas contras as outras, ao longo das últimas três décadas, em especial entre o final dos anos 1980 e o começo dos anos 2000, artistas como Roxanne Shanté, Da Brat, Missy Elliott, Lauryn Hill, Lil’ Kim e Foxy Brown precisaram trabalhar de forma mais árdua que seus contemporâneos para quebrarem o telhado de vidro que continuava a impedir que mulheres fossem reconhecidas como compositoras e intérpretes talentosas.
Após um período de efervescência, a presença de mulheres no rap mainstream diminuiu drasticamente a partir o final dos anos 2000. É nessa lacuna em que Nicki Minaj surge para o grande público. Após alguns anos de êxito no circuito underground, ela explode no mainstream em 2010 com uma série de participações em canções populares e rouba a cena com seus versos em Monster, canção de Kanye West com participações, além dela, de Jay-Z e Rick Rossa. Naquele mesmo ano, lança seu primeiro disco, Pink Friday, um sucesso comercial. Naquele momento, com exceção da australiana Iggy Azalea, Minaj reinou praticamente sozinha nas paradas.
Com visual excêntrico, perucas coloridas e ligação com o mundo da moda – fruto de uma forte inspiração em Lil’ Kim, com quem Minaj tem um longo histórico de brigas – ela se tornou não só um fenômeno no rap, mas também na cultura pop. Muitas de suas músicas, aliás, apostavam em estrutura chiclete que não deixava nada a dever a cantoras do pop, como Katy Perry.
Os trabalhos seguintes de Minaj, Pink Friday: Roman Reloaded (2012) e The Pinkprint (2014), aprofundaram a ligação da artista nascida na ilha de Trinidad e Tobago, no Caribe, com o pop, mas também um interesse em retornar às raízes do hip hop, em flerte com o r&b. No hiato de quatro anos até o lançamento de Queen, algumas estruturas mudaram no cenário do rap, principalmente com a ascensão de Cardi B, americana de origem latina que desde o ano passado já quebrou vários recordes (ela emplacou duas canções do seu disco de estreia, Invasion of Privacy, no topo da parada americana, um feito inédito).
Nesse novo contexto, a mídia passou a pressionar Minaj para que “defendesse” seu status como “a garota número um” do rap, reafirmando a ideia de que uma mulher só pode fazer sucesso se outra estiver por baixo. Ainda que tenha tido alguns atritos com Cardi B, Minaj optou por incentivar a novata, parabenizando-a por seus feitos e desejando sorte na carreira.
Contrariando expectativas, Minaj estabeleceu uma agenda própria. Tomou seu tempo para criar Queen, lançando eventuais singles, além de continuar a colaborar em canções de artistas como Fergie, Ariana Grande, Migos, entre outros. “Agora, posso falar sobre as coisas que vivi nos últimos dois anos. Eu sei quem eu sou. Estou entendendo quem é Nicki Minaj com esse álbum e estou amando quem ela é”, disse a rapper, cujo nome de batismo é Onika Maraj, em entrevista à T Magazine.
De fato, ainda que conte com algumas faixas que soam descontextualizadas, Queen é o disco mais consistente de Minaj e ressalta seus principais atributos, como seu flow que vai do bélico ao cômico em segundos, e suas letras sagazes. A ideia de realeza está muito atrelada à cultura do hip hop e é uma forma de reafirmação através do talento por parte de indivíduos socialmente oprimidos. E, nesse sentido, Minaj parece especialmente ávida a confirmar seu status de Rainha do Rap em seus próprios termos.
Em Dreams, faixa que utiliza o sample e a proposta de música de mesmo nome de Notorious B.I.G., ela ironiza os maiores nomes do rap atual, como seu amigo Drake, e desafia o machismo que ainda impera na indústria. Nela, seus colegas são colocados em uma posição imaginária de seus amantes e todos eles falham em satisfazê-la (na versão de B.I.G., ele faz vários comentários misóginos sobre transar com cantoras de r&b, menosprezando a aparência de várias delas).
Os versos de Minaj brilham nas ferozes Chun-Li, Good Form e LLC. Na primeira, Minaj fala sobre a construção de a narrativa midiática que a coloca como uma vilã. Ela assume o lugar de assertividade, rejeitando a vitimização. Os versos trazem à mente um trecho de um documentário sobre a rapper, de 2010, em que ela afirma que os homens são vistos como firmes quando impõem sua visão, enquanto as mulheres são vistas como histéricas e mandonas.
Outro momento bélico (e um dos destaques do álbum) é Coco Chanel, parceria com a rapper Foxy Brown, também de ascendência de Trinidad e Tobago e uma das maiores influências de Minaj. As raízes caribenhas, inclusive, são referenciadas na última faixa, Inspirations (Outro), em que ela, com sotaque carregado, celebra vários artistas de sua ilha natal.
Conhecida também por mesclar rap com momentos cantados, mais ligados ao r&b, Minaj mostra vocais mais seguros em Ganja Burn, marcada por percussões, e Thought I Knew You, com The Weeknd. O lado mais pop não foi deixado totalmente de lado e aparece em Bed, com Ariana Grande.
No geral, Queen é um disco que ressalta o talento de Nicki Minaj e ao mesmo não se prende a fórmulas que já a consagraram. Algumas faixas, como Nip Tuck, não causam impacto ou fazem falta e poderiam ser cortadas do extenso repertório (são 19 faixas). Mas, em primeiro lugar, estão em destaque suas rimas criativas, que a posicionam em um espaço de destaque na história do rap, quebrando barreiras de gênero. Se “inquieta é a cabeça que veste a coroa”, como apontou Shakespeare, Minaj usou essas angústias da melhor maneira, elevando o desafio para si e para a concorrência.