Hip Hop

RDV Festival consolida força do trap

No sábado (04), o Baile Perfumado foi palco para grandes atrações do gênero se apresentarem em uma noite histórica no Recife

João Rêgo
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João Rêgo
Publicado em 13/05/2019 às 12:38
Bieco Garcia/Cortesia
No sábado (04), o Baile Perfumado foi palco para grandes atrações do gênero se apresentarem em uma noite histórica no Recife - FOTO: Bieco Garcia/Cortesia
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O trap já pode ser considerado um gênero consolidado no cenário nacional. Não mais como um subgênero do rap ou derivação, mas como representação artística estabelecida com estética própria e variações complexas de sonoridades e ritmos. Tudo isso dentro um contexto cultural que não mais tenta imitar o que vem de fora, e se expande como um movimento interior, propriamente, nacional.

Toda essa efervescência foi trazida para o Recife no RDV Festival, sábado da semana passada, no Baile Perfumado – que contou com um line-up com os principais nomes nacionais, além de abrir espaço para uma cena local talentosa. Em uma noite que se estendeu madrugada adentro, o trap foi punk, emo, hip-hop, brega-funk, e, principalmente, brasileiro.

Com a tarde de produção do evento um pouco conturbada – incluindo o cancelamento da atração Cynthia Luz devido a problemas com voos –, o início previsto para as 18h só aconteceu às 21h30, quando o pernambucano NL subiu ao palco para esquentar o público que já lotava o espaço. O DJ RDV veio logo depois, trazendo um set composto por hits de Djonga, Racionais, Diomedes Chinaski e até MC Caveirinha.

Importante ressaltar a escolha das músicas e destacar o “nacional” que as acompanha. Ao longo da noite, em todos os sets, foi possível contar nos dedos o número de composições internacionais tocadas.

O primeiro dos grandes nomes da noite veio logo em seguida. Um dos principais expoentes do “emo rap” brasileiro, que viralizou no cenário internacional através de nomes do trap, Konai trouxe uma vibe menos dançante e mais contemplativa. “Meu propósito é relacionado à salvação de dentro das pessoas. Principalmente a minha geração que é exposta a muita informação e às vezes não sabe lidar muito bem com isso” contou em entrevista após o show. Sua apresentação seguiu nesse sentido, quando cantou seus sucessos Te Vi na Rua Ontem e 4 Estações.

Após o show do paulista, a cena local tomou conta. E aqui a máxima “o trap é o novo punk” nunca fez mais sentido. Tanto na frontalidade política das suas sonoridades, como na vibe que os shows trazem. NexoAnexo traduziu isso perfeitamente. O pernambucano foi escalado no lugar de Cynthia Luz de última hora. “A galera pediu em peso nosso show. É um reconhecimento massa. Como era um baile trap aqui em Pernambuco, tinha que rolar um Nexo, né?” brincou o artista, que é um dos pioneiros no gênero no estado.

Nexo subiu ao palco com seu amigo JOMA para tocar todas suas composições autorais, a maioria cantada junto ao público do festival. Mesmo com problemas no autotune, o bate-cabeça foi a tônica durante toda a apresentação. Quando o trapper tocou sua composição Sangue, a roda-punk, que já era grande, tomou proporções absurdas. Sem dúvidas, a maior da noite. “Como eu tive muita influência do rock, eu consigo trazer isso para dentro do trap”, conta.

Outro ponto alto do show foi quando o espectro do punk transcendeu o som, e se tornou representatividade feminina. Como Cynthia era a única mulher no line-up do festival, Nexo chamou ao palco a trapper recifense Margot. A artista mandou o que talvez foi a lírica mais afiada da noite, e nem precisou ser acompanhada de beats. A “cena local” deixava de ser acessório do line-up e encabeçava o momento de maior potência crítica entre os shows.

A600Z, em seguida, manteve a mesma pegada. Talvez não tão performático quanto Nexo, mas o foco não estava ali. Seu mérito principal é trabalhar as variedades de flows que os membros da banca executam. Tudo isso dentro de uma iconografia lírica própria da realidade pernambucana, que vem marcando uma produção local cada vez mais autoral

Com um pouco de espera, foi a vez de Denov fazer seu show.A apresentação mais sólida tecnicamente e, ao mesmo tempo, complexa em sonoridades. Seu novo álbum Manual Prático é uma ebulição sensorial impossível de enclausurar em modulações, nos restando apenas uma coisa: embarcar. E isso não passa por uma experiência contemplativa, mas por dançar, observar e sentir as músicas.

Os beats das produções evocavam tons melancólicos, enquanto as letras trazem uma pegada dançante, sempre com um olhar crítico para a realidade que cerca o artista. Foi de Top Boy até o sucesso Monza Drift, tocada três vezes a pedido do público, que aumentava a roda punk em cada repetição.

Grandes nomes

Por volta das 2h30, subiu ao palco se não a mais esperada atração, a que despertava a maior curiosidade. E não podia ser diferente quando o assunto é Raffa Moreira. Desde que surgiu, Raff sempre se arriscou a subverter métricas e convenções instituídas na cultura do hip hop nacional. Como consequência, foi criticado, chegou até a virar meme, mas, no final, abriu portas a quase todos os nomes que estavam se apresentando ali. “O trap nasceu no início dos anos 2000 nos Estados Unidos, ainda é uma coisa muito nova no Brasil. Fico feliz demais por representar tudo isso aqui” contou, orgulhoso, após o show.

No palco, Lil Raff mostrou perfeitamente porque é a maior referência do gênero. Seu show passa por uma entrega física que dialoga diretamente com sua pegada descontraída, mas extremamente singular. Dançou, cantou e ainda subiu na mesa do DJ que o acompanhava. O ápice foi quando tocou a sua mais conhecida composição Bro.

Kerda L.A assumiu o set em seguida, e manteve o público esquentado até a atração mais aguardada da noite, a Recayd Mob. Como esperado de um dos mais talentosos grupos que surgiram no meio, todas as expectativas foram correspondidas. Destaque para quando os arranjos de O Meu Guri, de Chico Buarque – sampleados na enérgica Lifestyle Fake –, colocaram todo público para bater cabeça.

E como trap e brega-funk têm tudo a ver. Ninguém melhor para celebrar essa união do que Shevchenko & Elloco. A dupla fechou as apresentações às 4h – horário que não diminuiu em nada o público presente. Até o próprio Raffa Moreira aguardou pelo show, e chegou a subir no palco para acompanhar o passinho.

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