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As cicatrizes abertas do rapper Coruja BC1 expostas em álbum

'Psicodelic', terceiro álbum do rapper paulista Coruja BC1, conduz versatilidade de temáticas e sonoridades a partir das turbulências de sua mente

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 29/05/2019 às 10:08
Foto: Pedro Gomes/Divulgação
'Psicodelic', terceiro álbum do rapper paulista Coruja BC1, conduz versatilidade de temáticas e sonoridades a partir das turbulências de sua mente - FOTO: Foto: Pedro Gomes/Divulgação
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Eu, minha irmã no chão, medo e suspiro/ Eu com seis anos, vendo meu pai tomar seis tiros, dizem os versos do começo de Psicodelic, terceiro disco do rapper paulista Coruja BC1, lançado na última semana. Abrir assim é a forma mais incisiva que o artista vindo de Bauru (SP) tem de mostrar que ele até poderá cantar sobre o amor, a periferia, a negritude e o jogo do rap, mas são as cicatrizes ainda abertas que pautarão os próximos 48 minutos do trabalho. O álbum originalmente se chamaria Psico, mas Coruja decidiu homenagear a Funkadelic, uma de suas referências musicais, aumentando o título. Talvez um indício de como enxerga na música uma das ferramentas para atenuar as turbulências da mente.

"O Psicodelic é o mergulho mais profundo no meu próprio eu, tocando em feridas que não consegui tocar nos trabalhos anteriores. Ano passado, passei por um processo de autoconhecimento ao lidar com um começo de depressão e usei a música para me tratar de certa forma, tive as ideias e montei o disco. Uma doença séria assim precisa disso, terapia, pessoas positivas e um desabafo, além de não se ignorar problemas e traumas do passado", explica Coruja.

A partir daí, o rapper aposta em uma estrutura de versatilidade e coerência. Traz um primeiro segmento falando os caminhos que o levaram até ali, como está sua situação no momento e olhares acerca do que está por vir. Traz nas faixas Lágrimas de Odé, Fogo, Apócrifo e Gu$tavo$ beats fortes e raiz, reivindicando seu merecido lugar no cenário atual após as dificuldades, mas sem esquecer que ainda é um negro periférico, pois os versos Hoje Outback, ontem esfirra no Habib’s/ Mas as armas ainda mira em nóis, não importa o calibre lembram disso. O flow com que conduz as letras sempre vem de forma enérgica e raivosa.

Em sua quinta faixa, surge um interlúdio, com a dramatização de uma conversa entre o rapper e uma psicóloga, narrando um diálogo marcante de sua infância e puxando o gancho para se falar de amor romântico. As próximas três canções seguem uma lógica narrativa de uma paixão que vai surgindo, uma paixão que pega fogo e uma paixão que deixa saudade. Em sequência, Psicodelic vai falar de espiritualidade, ídolos, narrativas periféricas, história e ancestralidade.

Rap de Cinema

A versatilidade temática e sonora arquitetou o álbum e a equipe que deu uma força na produção, contando com nomes como WillsBife, Deryck Cabrera, DJ Nyack, Skeeter, OGBeatzz, Canela, Melvin Santhana e GROU. "Organizei esse time e tinha uma ideia para onde queria ir. Eu sou uma pessoa que consome disco, não sou muito de faixas aleatórias, sempre indo da primeira à última. Gosto que as faixas se conectem, o álbum soe como um filme e a trilha sonora de um filme. Para mim, essa conexão tem que ser contínua, para que as pessoas não sintam as mudanças. É pensar em música como cinema”, elabora BC1.

Dentro desse escopo, que consegue passar por sonoridades do samba e outras mais acústicas, Psicodelic também abre espaços para outras vozes compartilharem o trabalho. O mineiro Djonga, um dos nomes mais fortes da cena atual, entra em Gu$tavo$, faixa inspirada pelas proximidades entre os rappers: ambos se chamam Gustavo, têm a mesma idade, são geminianos, nascidos com um dia de diferença e moradores de periferia que ascenderam no rap. Já o pernambucano Diomedes Chinaski canta em Ogum, com versos sobre espiritualidade e sobrevivência.

BC1 também se preocupa em dar espaço para nomes mais novos que lutam para se consolidar na música. Zudzilla, Késia Estácio, Boy Killa, Akil Mabili e Obigo são as apostas do paulista no álbum. "O critério para as parcerias foram as relações de amizades e admiração, mas também essa oportunidade para revelar novos rostos. Você crescer e trazer esses parceiros é a forma em que aprendi a fazer hip-hop e é a forma certa de fazer hip-hop", diz.

Psicodelic é o disco mais denso e maduro de Coruja e já é digno de ser classificado como um dos melhores do ano, levando seu nome ao patamar dos mais importantes da chamada nova geração, geração essa que ele vê como impulsionadora da continuidade da cultura hip-hop brasileira.

"Essa galera como BK, Djonga, Diomedes, entre outro irmãos, traz algo que parecia ter morrido, mas teve a chama reacesa. Voltamos com uma competitividade sadia e o empoderamento para com nosso povo. O desafio é entender que gente que vem da periferia, de realidade sofrida, tem que estar três vezes mais disposto e ter paciência, pois um trabalho sólido leva tempo, já que a superficialidade e a desconexão com a realidade desses tempos traz uma dificuldade em se comunicar com a massa", conclui.

 

 

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