O perímetro extremo da pintura, a sua moldura, ignora a moda dos tons marrons. É branco e azul. Uma mistura de céu limpo e nuvens, como uma pincelada impressionista que acaba de descobrir, viril, uma manhã ensolarada. Sob ele, com mais pulso, estão pássaros renascentistas cujos olhos são asas guardiãs de um grande templo. São os Pássaros Rocca, ou rocha, fortes que nem a mente que lhes deu vida. Como ousou fazer a jovem árabe uma vez, cabem, nesse quadro, mil e uma noites e histórias. Uma para cada dia e obra.
Na pintura, discreto e onipresente, está o símbolo de Oxóssi, orixá cujo ofício também é proteger a beleza ao seu redor. Uma pintura perfeita e eternamente inacabada. Do lado de fora do quadro pintado com os olhos de quem vê a Oficina Francisco Brennand, está o seu autor.
"Quem sabe se essas esculturas, relevos, murais, tapetes cerâmicos, anfiteatros, colunatas, construções, lagos, fontes e alamedas não sejam senão o resultado de uma pintura maior?" Popularmente conhecido por suas mãos de escultor, mas que revelam, em igual potencial, um pintor incansável. “
Com o tempo, pela dimensão da minha obra cerâmica, sobretudo das esculturas, estou sendo reconhecido mais propriamente como escultor do que como pintor, o que não deixa de me causar espanto.
Franciso Brennand
Na última segunda-feira, Francisco Brennand completou 85 anos. Para muitos, uma boa desculpa para considerar-se satisfeito. Para ele, o inquietante desejo de se renovar. Há mais de quatro décadas, o artista viu na velha olaria herdada do seu pai – o empresário Ricardo Brennand – um objetivo a ser moldado sem trégua e que culminaria em uma oficina monumental de traço único.
Na época, Brennand deu início à sua coleção de cerâmicas, esculturas e murais que passeiam por setas, aves, ovos e muita sensualidade. Ao mesmo tempo, se debruçava, também, nas tintas e pincéis. No entanto, nos anos 1970 e seguintes essa ala de sua vida esteve virada para a parede a fim de evitar a poeira, gases e fumaças que vinham da revitalização da fábrica. Só em 2003, a compilação de pinturas assinadas por Brennand ganhou uma atenção especial. Fundou-se a Accademia, um museu só dos quadros pintados pelo artista, dentro da Oficina.
O nome Oficina vem do latim ofício, trabalho pelo qual o artista se tornaria arte e a arte se tornaria artista. Mas, no vasto campo que a compreende, um quarto aconchegante e repleto de livros indica outro nome na porta de entrada: Atelier. Um reduto dentro de outro reduto. Um quarto vivo, onde se dedica o pintor Brennand de domingo a domingo.
O estilo de Brennand resgata a pintura renascentista, uma visão realista inspirada nas oficinas onde se criou Leonardo Da Vinci e outros do movimento. Segundo ele, na Renascença, “ser artista significava ser mestre de todas as artes”.
A pintura chegou a Brennand nos anos 1940, quando, ainda jovem, conheceu Álvaro Amorim, fundador da Escola de Belas Artes do Recife. “Meu pai comprou uma coleção de pintura e me mandou acompanhar a restauração dos quadros. "Foi aí que eu conheci Álvaro e, através dele, me encantou o mundo da pintura. Ele, Murillo La Greca e os outros artistas da época pintavam no campo como os pintores impressionistas e eu acompanhava”", conta.
Veja a matéria completa no Carderno C deste domingo (17).