Em uma das cenas do documentário Maria Bethânia - Pedrinha de Aruanda (2008), de Andrucha Waddington, na calçada de casa, em Santo Amaro da Purificação, Recôncavo Baiano, dona Canô faz uma serenata com Caetano Veloso e Maria Bethânia. A Oração de Mãe Menininha, cantada pela matriarca - acompanhada e admirada pelos filhos - “é muito comovente”, nas suas palavras. Sob o céu de Santo Amaro, aquela cena já não vai mais se repetir. A mulher que ficou conhecida no mundo como a mãe de Caetano e Bethânia morreu às 9h20 da terça-feira (25), aos 105 anos, na sua casa, após passar mal de madrugada, cercada pela família. O corpo, velado no Memorial Caetano Veloso, é enterrado nesta quarta (26), às 10h, na cidade onde ela nasceu e morava.
“Quando Deus marcar, eu tenho que ir como todos vão. Na hora certa, a gente nem sabe. Quando sentir, já foi!”, já dizia a carismática Claudionor Viana Teles Velloso em entrevista a uma rede de TV nacional, no ano em que completou 100 anos. Nascida em 15 de setembro de 1907, dona Canô casou-se em 1930 com José Teles Velloso (que morreu em dezembro 1983, aos 82 anos) e teve oito filhos (dois adotivos), nove netos e cinco bisnetos. Construiu sua vida no sobrado de número 179 da Avenida Ferreira Bandeira. branco com as janelas azuis, endereço conhecido em Santo Amaro. Lugar de aconchego para família e fãs, onde, com doçura e timidez, a senhorinha de cabelos brancos e voz delicada recebia a todos.
Foi Canô a responsável pela formação artística dos seus filhos. Embora nascida em uma família pobre, ela estudou em um colégio particular, onde aprendeu francês e piano. Com voz afinada, que sempre cantava para a família e os amigos, ela incentivou a turma toda a tocar algum instrumento. "Na minha família todos nasceram com a cabeça cheia de música e o estômago cheio de fome”, dizia.
Lúcida até a morte, Claudionor Viana protagonizou situações memoráveis, como a entrega ao governador da Bahia Jaques Wagner e ao ex-presidente Lula, em 2011, do relatório de despoluição do rio Subaé. Depois de uma hora de conversa, a matricarca afirmou que a visita de Lula foi a melhor do Brasil, que ele gostava muito dela. Dona Canô tinha uma ligação forte com o ex-presidente, chegando, inclusive, a querer ligar para e pedir desculpas pelas declarações de Caetano que o chamou de cafona e grosseiro, em 2009. “Caetano não tinha que dizer aquilo. Ele é só um cantor. Vota em Lula se quiser, não precisa ofender nem procurar confusão", disse na época, em entrevista.
Em 105 anos, dona Canô viveu envolvida pelo respeito e o amor da sua família. A alegria e disposição da senhora de aparência frágil, mas com garra e determinação, que dava as ordens do cardápio e organizava os pagamentos de casa, refletiram na criação dos seus filhos e netos. Maria Bethânia, que todos os dias ligava para a mãe para pedir sua benção, fez em 2010 o show Amor, festa e devoção, em homenagem à genitora. Dona Canô é também o nome do teatro de Santo Amaro da Purificação; tema de biografia (Canô Velloso, lembranças do saber viver) escrita por Antônio Guerreiro de Freitas e por Arthur Assis Gonçalves da Silva, publicada em 2009; e teve suas receitas reunidas, em 2008, no livro O sal é o dom - Receita de mãe Canô, organizado pela filha Mabel Velloso.