Domingos Montagner, a arte e o Rio São Francisco

Uma crônica sobre as águas do Sertão, a morte do ator de Velho Chico e a vida que segue
Adriana Victor
Publicado em 16/09/2016 às 16:33
Uma crônica sobre as águas do Sertão, a morte do ator de Velho Chico e a vida que segue Foto: Caiuá Franco/TV Globo


Cena 1: Luzia toca sanfona, a música é Riacho do Navio, clássico de Luiz Gonzaga e Zé Dantas - ao fundo, o Rio São Francisco cortando o Sertão para bater no meio do mar. Cena 2: Tereza, Santo e Miguel estão sorrindo, se abraçam. “Nossa derradeira viagem de gravações, aqui de Velho Chico, encerrando esse épico maravilhoso, cheio de amor e de emoção.” Cena 3: Um escritor brasileiro pede para que parem o carro, queria andar a pé por Piranhas, cidade que pontilha com casas, coloridos e gente as margens do São Francisco. Estava encantado, primeira vez que via o cenário que havia descrito num romance.

É Luiza ou Lucy quem toca a sanfona? Tereza, Santo e Miguel ou Camila, Domingos e Gabriel? O escritor era Ariano Suassuna, autor da História do Amor de Fernando e Isaura, o livro que corre pelo São Francisco. Foi ele também que, certo dia, provocou numa conversa: “Por que existem a dor e o sofrimento humano?”. E ainda: “O escritor é um sujeito que não se conforma com o mundo ao seu redor e cria o seu próprio mundo”. 

O RIO

O mundo do Sertão banhado pelo São Francisco é dos mais lindos que existem, pode acreditar. A terra seca, alinhavada por pedras pontiagudas e garranchos, é de repente cortada ao meio, rasgada por uma veia irrigada por água verde, viva e reluzente. Na beira do rio, os pés se afundam em areia branquinha e muito fina. Dentro dele, o banho nos une ao divino: frio e calor, imensidão, alegria, renascimento, batismo, Sertão: “Onde houver desespero, que eu leve a esperança”. 

 

O rio, muito especialmente no trecho entre Piranhas e Canindé do São Francisco, justo no local onde Domingos Montagner encantou-se, é daqueles lugares onde se quer voltar muitas vezes, que seja para revê-lo ou apresentar tudo a quem se quer muito bem. Há correntezas, redemoinhos, pedras submersas. Há garças planando as águas todo começo de manhã, todo o final de tarde; há banhos inesquecíveis sob sol forte e lua cheia; há gente sertaneja como só o sertanejo sabe e pode ser; há pitus avermelhados e cerveja gelada; há lavadeiras cuidando de suas roupas e crianças dando seus flecheiros; há barcos deslizando com suas velas (veias) abertas. Há vida: cortada em cenas, inventando e recriando o mundo ao redor. Há vida: épica, verdadeira e linda que segue como o rio, apesar da “dor e do sofrimento humano” - força e coragem, Luiz.  Viva Santo!


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