Alceu Valença faz inventário de sua obra na década de 70

Saudade de Pernambuco, o disco perdido, finalmente foi lançado
José Teles
Publicado em 26/11/2016 às 9:44
Saudade de Pernambuco, o disco perdido, finalmente foi lançado Foto: foto: reprodução/arquivo Delma Valença


"O conjunto é formado por Zé Ramalho da Paraíba, que toca viola, ukulele e viola de doze cordas, Juliano é o da percussão, Israel é o da bateria, Dicinho é o do baixo, Zé da Flauta toca flauta e Paulinho Lampião é o da guitarra.

Os arranjos geralmente  são meus, mas a dose de criatividade do pessoal é grande. Eu quis fazer uma zabumba elétrica. Zabumba é o mesmo que banda de pífano".

Esta é a apresentação da banda Trem de Catende por Alceu Valença, em 1975, em depoimento ao jornalista Antonio Carlos Brito, do seminário alternativo Movimento.

Com esta banda ele fazia o espetáculo Vou Danado Pra Catende, ao qual acrescentaria Lula Côrtes, Zé Ramalho e Ivinho (com Paulo Rafael indo para o contrabaixo).

O registro do show, apresentado aqui no teatro do Parque, em 1976, chegou ao álbum, intitulado Vivo!, com selo da Som Livre. 40 anos depois, Vivo! ganhou um Revivo e está nas lojas no formato DVD e CD, gravado em outubro de 2016, no Teatro de Santa Isabel.

 
 
 
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O que é Revivo para Alceu Valença

O repertório de Revivo é uma volta ao anos 70 e coincide com os 70 anos de Alceu Valença.

"Eu fui o primeiro da psicodália (sic). Mensageiro dos Ajos está gravado no Molhado de Suor, antes de Vou Danado Pra Catende, que já tem Dente do Ocidente.

O Vivo vem do show apresentado no Rio, São PAulo, no Recife, João Pessoa e Natal, o show que me lançou como artista de palco. Depois vem Espelho Cristalino, que coloquei também dentro do Vivo/Revivo", comenta Alceu Valença.

Ele conversa por telefone, de uma fazenda de um amigo em Patos (PB), de onde iria no dia seguinte para Campina Grande, continuar a turnê O Grande Encontro, com que está circulando pelo país com Elba Ramalho e Geraldo Azevedo.

Alceu Valença esteve em Paris durante a Ditadura Militar

Alceu faz uma espécie de inventário na sua obra setentista completa. Com selo da Deck, chegou também às lojas a caixa Anos 70 (Deck/Polysom), incluindo o álbum Saudade de Pernambuco, disco com uma das histórias mais peculiares da música brasileira.

Saudade de Pernambuco é sua "canção do exílio", foi gravado em Paris, onde Alceu Valença se abrigou quando sentiu que não estava sendo possível viver no Brasil.

"Eu saí daqui porque eu não aguentava mais a ditadura, muito amigo meu preso. Geraldinho torturado. Carlinhos torturado. Mano Teodósio, um amigo meu, preso, Chico de Assis também. Vendo essas coisas toda fui embora", conta Alceu.

Confira a música Saudade de Pernambuco, de Alceu Valença:

Paulo Coelho

Para reforçar a resolução de sair do país, entrou o mago Paulo Coelho, então ainda um comum mortal, produtor da Polygram. Ele viu pela primeira vez Alceu no palco e entusiasmou-se.

Soube que ele era um contratado da Som Livre, mas estava insatisfeito, sugeriu que ele o rescindisse contrato e fosse conversar com ele no Polygram:

"Fui na Polygram, mandei chamar Paulo Coelho. Ele veio todo solícito, falou comigo, disse que ia mijar, e nunca voltou. Acho que foi fazer o caminho de Santiago direto do banheiro. Fiquei sem gravadora, sem absolutamente nada. Fui embora".

Antes de viajar, Alceu Valença fez uma apresentação de despedida, nos dias 10 e 11 de fevereiro, de 1976, na Escola de Artes Visuais, do Parque Laje, no Rio de Janeiro.

"Foi o show Alceu Valença em Noite de Au Revoir, fiz com a participação de Paulo Rafael. Teve um momento em que dei um jeito na perna". 

Alceu deixou o palco mancando no dia 12 de fevereiro. Foi embora pra Europa, com um show marcado na Espanha e outro em Paris. Paulo Rafael foi junto. Só voltariam em 1979, o ano da anistia, da volta dos exilados.

Alceu Valença em Paris

Alceu Valença deu ao álbum o título de um baião lançado por Luiz Gonzaga, em 1953 (de Sebastião Rozendo e Salvador Micelli).

Saudade de Pernambuco foi lançado num estúdio nos arredores de Paris, com um grupo base formado por Paulo Rafael, Zé da Flauta e Fernando Falcão (percussionista, falecido em 2002).

"Falo das minhas raizes nordestinas, de São Bento do Una, ecologia. Lembro do meu pai que não deixava eu matar passarinho.

É um disco de canções que compus em Paris. Aí começou a bater a tal da saudade do Brasil. As pessoas falam mal do Brasil, mas quando tão fora começam a ver quanto é bacana o nosso país, mesmo com todos os problemas que tem".

O disco não foi lançado na França, embora tenha tido até sessão de fotos para a capa, num dia frio, no Jardin du Luxembourg, o maior parque público de Paris.

"As fotos feitas por uma namorada de Manuel Messias, irmão de carlinhos Fernando, exilado em Paris. Eu estava de gibão de couro, chapéu de cangaceiro. Naquela época estava tão doido que andava em Paris dessa maneira. Um dia nevou tanto que o botão da frente do gibão caiu, ajeitei ele com uma corda de violão".

Alceu Valença de volta ao Brasil

As fotos sumiram quando Alceu Valença voltou ao Brasil. Não só as fotos, mas a fita master do Saudade de Pernambuco também. A música reapareceu primeiro.

"Um dia um cara que fez a mixagem do disco ligou pra minha casa e me disse que tinha um negócio meu lá. Estava fazendo uma arrumação e perguntou se jogava fora ou eu queria.

O disco acabou sendo lançado por um jornal de São Paulo (o jJornal da Tarde), num projeto que não tinha nada a ver, mas apenas durante uma semana. Depois disso, eu só queria lanças quando conseguisse a foto que fiz para a capa.

Delminha, minha irmã, que guarda tudo meu, discos de ouro, fotos, tudo, procurou e não encontrou.

Uns dez meses atrás, Inês, filha de Wilson, me informou: 'Alceu, veja o que eu encontrei na casa do meu pai, um bocado de foto tua' e mandou elas por Whatsapp. Pra mim tudo tem uma historinha, o disco está lançado".

Como dizia meu pai, alea jacta est.

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