No período da Independência do Brasil, a Revolução Pernambucana de 1817, que completou 200 anos em março, era bastante citada, mas como um exemplo do que temer. Era um fantasma, um perigo, como define o historiador Luiz Carlos Villalta, da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele é o responsável por proferir, às 15h, a conferência de abertura do seminário 1817: Significados e Contemporaneidade, que acontece segunda e terça (27 e 28) no auditório do programa de História da UFPE, no CFCH.
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Autor dos quatro volumes da História de Minas Gerais e de O Império Luso-Brasileiro e os Brasis, Villalta tem se dedicado a pesquisar três contestações à coroa portuguesa no período colonial: a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolução de 1817. Através de jornais, ele notou essa visão do movimento pernambucano como um “perigo”. “Talvez isto seja uma chave para entender sua pouca valorização nos dias de hoje, o que, para lhe ser muito franco, me causa um desconforto muito grande”, explica.
Villalta aponta pelo menos seis motivos para isso: “Ela foi o movimento mais forte de contestação à ordem política ocorrido no Brasil antes da Independência, contra o absolutismo, mobilizando gentes de perfis sociais distintos, das elites aos populares (o ouvidor e revolucionário Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva falava em algo que chegava a cifra de 30 mil homens integrando tropas), havendo participação até de escravos; ela anunciou algo que é crucial num processo de Independência, que é o antagonismo entre o ‘povo colonizador’ e o ‘colonizado’; ela, exceto por seu caráter republicano e por sua proposta de abolição lenta e gradual da escravidão, antecipou as linhas que seriam seguidas com a Independência e seu apelo ao constitucionalismo; ela implicou uma contestação, por parte das Capitanias do então Norte, da supremacia do Centro-Sul; ela teve grande repercussão internacional; e ela foi motivo de uma repressão brutal”.
Para ele, esses elementos explicam o “esquecimento” progressivo da Revolução de 1817, que ameaçava o protagonismo do Centro-Sul e a integridade do território brasileiro. Em artigo sobre o período, Villalta fala de uma “encruzilhada de desencontros” enfrentada pelo Império Português. Começava a surgir, e a Revolução de 1817 é prova disso, uma esfera pública de debate; passaram a entrar em conflitos as identidades da população com Portugal, com a ideia de um Brasil e com as suas próprias regiões; e, claro, existia uma insatisfação com o pagamento de impostos para sustentar o Rio de Janeiro.
Villalta ainda destaca que a Revolução Pernambucana propunha um “grande avanço em relação à ordem do Antigo Regime português”. “O movimento trazia um ideal que combinava republicanismo, constitucionalismo, liberdade religiosa e liberdade de imprensa”, explica. “O problema da escravidão, porém, não tinha uma avaliação consensual. Neste ponto havia contradições. O governo era heterogêneo, reunindo moderados, como o representante da magistratura, a radicais, como o representante do comércio e o mulato Pedro Pedroso (defensor do ‘haitismo’).” O historiador ainda ressalta a presença de um “ideal aristocrático” na revolução – afinal, Pernambuco, junto com a Bahia, era o único local que tinha de fato famílias tradicionais.
Além do seminário, na terça (28), às 19h, a Procuradoria Geral do Estado, a Faculdade de Direito e a Unicap vão promover um evento para discutir os aspectos jurídicos da revolução, a partir da Lei Orgânica criada no dia 29 de março de 1817. O evento vai contar com uma palestra de Gilberto Bercovici, da USP, e um debate entre o professor e procurador do Banco Central, Marcelo Labanca e o procurador do Estado Marcelo Casseb Continentino, que defende que a lei pode ser considerada a primeira constituição válida do Brasil.