O produtor cultural Afonso Oliveira lançou nesta terça-feira a Carta-Manifesto São João de Pernambuco - Manifesto do Milho ou o grito do Damião Danado - em defesa das manifestações dos festejos juninos, com vistas a pressionar o Governo do Estado, a Secretaria de Cultura de Pernambuco e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco Fundarpe, bem como as prefeituras estaduais, a implantar uma nova política cultural.
"O objetivo da carta-manifesto é sensibilizar o Governo do Estado para que escute os artistas pernambucanos e torne o nosso São João tão forte quanto o Carnaval, que exige mais investimento nos artistas locais e as Quadrilhas Juninas", diz o produtor, criador do Método Canavial de Produção Cultural e que vem realizando uma série de palestras Política Cultural e Pensamento em cidades do interior pernambucano.
A carta-manifesto, que está sendo articulada com os forrozeiros, coquistas e artistas populares, defende que "o Governo do Estado de Pernambuco assuma seu papel de protagonista e invista no São João, a partir de 2018, da mesma forma que investe no Carnaval". Para tal, deveria investir "nas Quadrilhas de Bairros do Recife e do Interior, nos encontros de Coco de Roda, e que de forma forte garanta a participação de nossos forrozeiros em todos os palcos de Pernambuco. Que nossos grupos de Pé de Serra que têm nome, deixem de ser chamados nas programações apenas de Grupo de Pé de Serra, ou atração local, como se os mesmos não tivessem identidade próprias. Que as Bandas e Artistas que bebem na fonte do forró, do coco, da embola e do xaxado tenham espaço para mostrar as suas invenções criativas. Que a Fundarpe assuma esse processo de curadoria, com convocatórias públicas e comissões de seleção independentes, e que use sua experiência para unir artistas, cidadãos, imprensa, empresas e governo. Os festejos juninos em Pernambuco devem ter como protagonistas seu povo e seus artistas – e não atrações vindas de fora a peso de ouro, que em nada contribuem para o enriquecimento cultural da festa.
Confira a íntegra da Carta-Manifesto São João de Pernambuco - Manifesto do Milho ou o grito do Damião Danado
O produtor Afonso Oliveira acredita que o que ocorre com o São João Nordestino, que foi invadido pela música sertaneja e até mesmo pela música eletrônica é resultado de uma crise mais ampla. "Num olhar macro, o Brasil está perdido sem um projeto de Nação que una democracia e diversidade cultural. "As grandes Nações e as grandes cidades urbanizadas estão cada vez mais diversa culturalmente. As capitais nordestinas e as outras grandes cidades como Caruaru e Campina Grande também contam com uma rica diversidade Cultural. Do ponto de vista micro os gestores culturais não assumem o papel de articular uma Política Cultural com participação social, com raras exceções, que legitime e promova o cuidado com a memória, a manutenção e a transmissão de nossas tradições", critica o produtor.
Afonso Oliveira acredita que as prefeituras sucumbiram a pressões do mercado de shows. "As prefeituras não podem servir, nem se transformar em um mercado, onde quem possui a melhor vitrine, a melhor propaganda vende mais. Esse conceito joga contra a diversidade cultural e transforma todos os espaços de difusão Cultural (Forró da Capita ou Pátio de Forró de Caruaru) num monopólio financeiro e de mídia de quem tem na mão a hegemonia da vitrine e da propaganda. Estabelecida essa dinâmica os artistas entram em conflitos, cada um discursando com uma retórica fortalecida pela sua história. Todos tem suas tradições, mas nem todos são inovadores ou estão iguais economicamente e socialmente. É nesse conflito que acontece os excessos de todos lados".
A saída para este problema, no seu entender, seria "a criação nos municípios de uma Política Cultural de valorização da memória, manutenção e transmissão das tradições e onde ambiente de negócio do mercado privado fosse melhor esses conflitos não aconteceriam ou seriam muito menores do que ocorre atualmente no embate entre os forrozeiros e sertanejos", afirma o produtor. "Do ponto de vista artístico não há no sentido real da vida uma música melhor ou pior. Há culturas e caminhos artísticos diferentes. E os lugares mais interessantes para se viver são aqueles onde os diferentes tem uma convivência pacífica, onde o princípio da diversidade cultural norteiam o projeto de Nação e as políticas culturais locais".
Luiz Caboclo, em Chã de Camará, passa o mês de março dentro da roça plantando milho; lá em Serra Talhada, Zé de Deus vende rede e quando chega em casa tira um som nos oito baixos, lembrando de Lampião e de Baixinho de Vicência. Nos estúdios de ensaios do Recife, a Cabeça Elétrica e o Coração Acústico dão o tom da novidade. Perto de chegar em Limoeiro, o Irmão abençoado prepara vinte mil pamonhas e canjicas enquanto ensaiam as quadrilhas. Ah! As quadrilhas vêm antes do dia de São José ensaiando para fazer bonito e ganhar o concurso onde houver concurso. Lá do Céu, Luiz Gonzaga, Marinês e Jackson do Pandeiro observam tudo. Enquanto, aqui embaixo, Damião Danado manda um recado que é preciso deixar bem claro que a situação tem que mudar e o São João tem que contar com um grande investimento do Governo do Estado. Para que a festa do milho recupere a força e se torne tão grande e diversa como o Carnaval.
Foi a partir do investimento do Governo do Estado e das Prefeituras que o Carnaval de Pernambuco é hoje um dos maiores do mundo e rico em diversidade. Nossos Maracatus, grupos de Frevo, Troças, Ursos, Caboclinhos, Clubes e Escolas de Samba que estavam desvalorizados passaram por um processo de preservação e renovação. Ao mesmo tempo o Recife Antigo e várias cidades do Interior ganharam não apenas em estrutura de palco e som, mas também a cultura popular feita no chão calçado ou nos terreiros e bairros ganharam projeção e investimento.
Esse processo do Carnaval precisa melhorar e avançar, mas não se pode negar o resultado que uniu povo, governos, imprensa, empresas e artistas tirou da estagnação nossa Folia de Momo – mesmo que este modelo também deve ser, em alguns pontos, repensado e que seus gargalos ainda careçam de solução, no tocante à valorização e pagamento do artista pernambucano, muitas vezes relegados ao segundo plano.
É isso que nós que assinamos essa carta manifesto queremos e exigimos. Que o Governo do Estado de Pernambuco assuma seu papel de protagonista e invista no São João, a partir de 2018, da mesma forma que investe no Carnaval. Invista nas Quadrilhas de Bairros do Recife e do Interior, nos encontros de Coco de Roda, e que de forma forte garanta a participação de nossos forrozeiros em todos os palcos de Pernambuco. Que nossos grupos de Pé de Serra que têm nome, deixem de ser chamados nas programações apenas de Grupo de Pé de Serra, ou atração local, como se os mesmos não tivessem identidade próprias. Que as Bandas e Artistas que bebem na fonte do forró, do coco, da embola e do xaxado tenham espaço para mostrar as suas invenções criativas. Que a Fundarpe assuma esse processo de curadoria, com convocatórias públicas e comissões de seleção independentes, e que use sua experiência para unir artistas, cidadãos, imprensa, empresas e governo. Os festejos juninos em Pernambuco devem ter como protagonistas seu povo e seus artistas – e não atrações vindas de fora a peso de ouro, que em nada contribuem para o enriquecimento cultural da festa.
Dessa forma Damião sem deixar de ser danado vai poder comer milho, pamonha, dançar forró, ao som de triângulo, sanfona, zabumba, guitarra, pandeiro, baixo e bateria. Seja no Terreiro ou na Praça. Seja no Sitio ou na Praia. Seja na Quadra ou na Rua. Com muita gente ou apenas com família. Precisamos da vontade política, porque o resto está pronto. Somos todos artistas, produtores, empresários e cidadãos afim de trabalhar para que o São João seja um período onde todo mundo colha, toque, participe e se divirta.