Nas primeiras semanas de 1984, Madonna, uma estrela ainda em ascensão, despontando com hits como Everybody e Holiday, participou do programa de televisão de Dick Clark, um dos apresentadores mais famosos dos EUA. Após sua apresentação, ela protagonizou o que seria uma das entrevistas mais curtas e icônicas da sua carreira. Questionada sobre o que desejava não só para aquele ano, mas para o resto de sua carreira, a jovem de 26 anos respondeu sem titubear: “Dominar o mundo”. Mais de três décadas depois, ela não só conquistou seu objetivo, como também transformou para sempre a cultura pop com seu talento, militância e rebeldia. Na próxima quinta-feira (16), a norte-americana completa 60 anos e continua a pautar debates ao seguir se recusando a obedecer padrões pré-estabelecidos pelo patriarcado.
O que hoje entendemos como música pop tem Madonna como um de seus pilares. Ela ajudou a derrubar barreiras do que se esperava de uma cantora – das mulheres, de uma forma mais ampla – e pagou um preço alto por isso, enfrentando censura, xingamentos e linchamento moral. E, apesar de todas as tentativas de silenciá-la, sua voz continua a ecoar e sua presença a incomodar os conservadores. Desde seu primeiro álbum, que leva seu nome e foi lançado há 35 anos, ela incorporou diversas personas, absorveu várias culturas e sonoridades, incorporando esses elementos à sua personalidade e projeto artístico sem deixar que eclipsassem o principal: seu talento e personalidade ímpares.
Nascida em um espaço conservador, no Estado do Michigan, Madonna perdeu a mãe, aos cinco anos, experiência que a marcou profundamente. “A vida de Madonna foi sendo construída em oposição à de sua mãe. Se o silêncio da mãe significava a morte, então ela iria falar. Se a doença da mãe indicava que dormir era perigoso, pois uma pessoa pode morrer enquanto dorme, então ela ficaria acordada. Se o corpo da mãe a decepcionara, Madonna se certificaria de estar sempre em excelentes condições físicas. Ela escolheu a dança não apenas como meio principal de expressão, mas também como forma de exibir força física e capacidade de resistência, sentindo-se assim viva e agarrada ao presente”, explicou a biógrafa Lucy O’Brien no livro Madonna 60.
Outro aspecto importante para entender Madonna é o fato de ela sempre ter se sentido deslocada em um mundo heteronormativo. Foi na comunidade LGBT onde se sentiu acolhida. Incentivada pelo amigo e professor de balé Christopher Flynn, foi tentar a vida em Nova York, onde chegou com US$ 35 no bolso e uma ambição desmedida. Conquistou seu espaço na cena criativa da cidade, que ainda explodia sob a influência de Andy Warhol. Se muitos a consideraram uma artista descartável, ela provou o contrário a todos e se tornou um dos nomes mais conhecidos do mundo. Levou para o mainstream elementos da cultura LGBT, ajudou a desmistificar preconceitos a respeito da sexualidade e se tornou um símbolo feminista, amada por muitos e repudiada por outros tantos, de governos ao redor do mundo à Igreja Católica, aos machistas e homofóbicos. Acima de tudo, arcou com sua visão artística.
Sua discografia é marcada por dezenas de sucessos que atravessam gerações, como Like a Virgin, Express Yourself e Vogue, mas ela se recusa a ser uma artista presa às glórias do passado. Ao longo das últimas três décadas, ela vem experimentando, entre erros e acertos, e expandindo seu catálogo. Há várias Madonnas e há apenas uma Madonna, inquieta e rebelde até o fim.
“Madonna colocou uma questão muito interessante dentro do pop que é a de que você não precisa ser uma grande cantora ou dançarina e sim ter sagacidade para entender as estruturas da indústria e política mais ampla. Inteligência musical não é necessariamente a de tocar instrumentos, mas está também ligada a essa figura que rege, que entende de fazer música no sentido mais amplo. Madonna é essa grande articuladora. O que me encanta até hoje nela é que sua poética ‘vaza’ também para uma dimensão política mais ampla. Ela é fundamental dentro do mainstream, ajudou a concebê-lo como conhecemos hoje, mas, ao mesmo tempo, continua sendo uma figura estranha dentro dele, agora pela questão de seu envelhecimento”, aponta o jornalista e professor de Comunicação da UFPE Thiago Soares.
Madonna é, também, uma sobrevivente. Primeira artista de sua dimensão que envelhece aos olhos do público, ela não dá sinais de que vai parar – e nem deveria – e se mantém como referência na ausência de seus contemporâneos, como Michael Jackson. O mundo precisa de artistas como ela, capazes de usar suas vozes e corpos para transformar padrões sociais. Sua missão foi captada pelo jornalista Jon Pareles em um artigo para o New York Times, em 1990. Nele, ele aponta Madonna como um projeto de arte contínuo e multimídia dedicado a examinar noções de glamour e sucesso e os limites da sexualidade no mainstream.