O incêndio do Museu Nacional (RJ), em setembro do ano passado, incitou necessários debates sobre a preservação dos acervos e a relação dos brasileiros com esses espaços. Quem é o público que visita os museus do País? E quais as razões que fazem com que outra parcela não se sinta motivada a vivenciar experiências nesses locais? Essas foram algumas questões que o Oi Futuro, em parceria com a Consumoteca, buscou identificar com a pesquisa de tendências Narrativas para o Futuro dos Museus, cujos resultados foram apresentados semana passada no Rio de Janeiro.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), “consideram-se museus as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”. Atualmente, estão registradas 3.793 instituições do tipo no País, marcadas por uma crescente diversidade de recortes temáticos e formas de trabalhar seus conteúdos.
Para a pesquisa, foram ouvidos 600 brasileiros, frequentadores e não frequentadores de museus, das classes A, B e C, de todas as regiões do Brasil, durante o segundo semestre de 2018, contando ainda com grupos focais no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belém. Também foram ouvidas pessoas que consomem acervos virtuais das instituições. Disponível para download através do link http:/oifuturo.org.br/pesquisa-museus-2019, o estudo diagnostica a percepção do público sobre os museus nacionais para apontar tendências para esses espaços.
Entre os resultados alcançados está a percepção de 50% dos respondentes de que são lugares elitizados, para visitar uma só vez e sem novidades. Na pesquisa quantitativa, ficou claro também que a grande maioria percebe museus como espaços de “guardar coisas antigas”, relacionados a conteúdos de história.
Para 81%, são prédios históricos e de arquitetura clássica e para 65%, a função dessas instituições está ligada à aprendizagem. Nesse sentido, um dado interessante é o fato de que 55% das 600 pessoas ouvidas tiveram seu primeiro contato com museus através da escola.
Para muitos, porém, a experiência ficou associada a uma apreciação com objetivo de responder a questionários e provas, afastando-os de uma relação aprofundada com esses espaços. Os museus apareceriam, portanto, como atividade fim e não como meios para instigar o pensamento.
O estudo aponta a necessidade de investimento na preparação dos professores e na inserção das crianças nesses espaços, junto às suas famílias, para que se sintam representadas e parte ativa da experiência. Os visitantes seriam, portanto, acervos vivos dessas instituições, deixando rastros de suas presenças e perpetuando as vivências que tiveram ali para outras esferas da vida social.
“Muita gente disse que não vai a museus porque ‘não entende’ os conteúdos apresentados. E por que tem ‘obrigação’ de entender? Por que não pode bagunçar a cabeça e sair com mais perguntas do que respostas?”, apontou Michel Alcoforado, antropólogo à frente da Consumoteca, que conduziu o estudo.
Museus como o do Amanhã, no Rio de Janeiro, o Cais do Sertão e o Paço do Frevo, no Recife, entre outros, já trabalham com a percepção de que tecnologia e interatividade são ferramentas importantes na reconfiguração dos laços com o público.
A pesquisa mostra ainda a boa aceitação de centros culturais, que agregariam experiências amplas, em contato com diferentes linguagens. É o caso do Oi Futuro, que recebe eventos, exposições, peças, possui um café e sedia o Museu das Telecomunicações.
Segundo Roberto Guimarães, gestor de Cultura do Oi Futuro, a partir dos resultados da pesquisa, serão programadas mudanças no Museu das Telecomunicações a partir do segundo semestre deste ano, com modernização das instalações físicas e expográficas e maior estímulo à interatividade. Será lançado ainda o edital Hipermuseus, com foco na formação de profissionais para os desafios dos museus na contemporaneidade.
As transformações que serão executadas aprofundam as práticas do centro cultural, que estimula a participação efetiva dos visitantes através de obras que convidam à interação, seja física ou virtual.
A historiadora e coordenadora do Memorial da Resistência, Marília Bonas, pontuou que, há alguns anos, os museus viveram anos de ouro e que, apesar dos recentes retrocessos, é possível estabelecer os conteúdos das instituições como pulsantes, em diálogo com as necessidades de seu tempo e a pluralidade da população.
Para Mário Chagas, diretor do Museu da República, no Rio de Janeiro, um dos mais visitados do País, é importante descolonizar os museus para que eles não sejam encarados como estanques.
“A museologia que não serve para a vida social, não serve para nada. Quando assumi o Museu da República, só entendiam o Palácio do Catete como ‘o museu’. Mas, o jardim, o cinema, o café, tudo isso é o museu. É preciso observar e estimular as relações afetivas que as pessoas criam com esses espaços. A potência poética dos museus, se recuperada, mostra que o já visto não existe. O museu é”, refletiu.
* O jornalista viajou a convite do Oi Futuro