Franceses ignoram Brexit e querem saber mesmo é da Eurocopa

Possível saída do Reino Unido da União Europeia preocupa apenas membros do governo (e olhe lá...)
SAULO MOREIRA
Publicado em 20/06/2016 às 15:02
Possível saída do Reino Unido da União Europeia preocupa apenas membros do governo (e olhe lá...) Foto: Creative Commons/Divulgação


Ingleses e franceses nunca foram lá muito amigáveis uns com os outros. Suportam-se em nome de valores maiores: estabilidade política, desenvolvimento econômico e qualidade vida de suas populações.

Entre Calais, no sul da França, e Dover, no norte da grande ilha chamada Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), está a faixa mais estreita do Canal do Mancha. São apenas 33 quilômetros de mar separando duas grandes potências mundiais. 

Na próxima quinta-feira, dia 23, um plebiscito no Reino Unido (Grã-Bretanha mais Irlanda do Norte) pode aumentar a distância entre os dois países. Investidores do mundo inteiro estão de olho.

A geografia permanecerá a mesma, claro, mas a economia, a política e o próprio futuro da unidade do continente serão postos a prova se os britânicos optaram por sair da chamada União Europeia, grupo de 28 países que negociam entre sem amarras burocráticas e permitem a livre circulação de bens e pessoas.  

A União Europeia tem suas origens na antiga Comunidade Econômica Europeia, oficialializada pelo Tratado de Roma, em 1957. De lá para cá, a Europa, cujo o mapa mudou várias vezes ao sabor de tantas guerras, conflitos, insurreições, optou por se unir. Em 1975, a própria Grã-Bretanha, aderiu.

E a Europa só se fortaleceu. Decidiu pela formação do bloco mesmo convivendo com feridas historicamente recentes, como as duas grandes guerras do século 20, ambas protagonizadas pela Alemanha, hoje a principal economia do continente. 

Mas deixemos a Alemanha de lado. O país, já se sabe, é o principal defensor da permanência britânica na UE.

Nos últimos dois dias, em Paris, me ocorreu de entender a cabeça do francês sobre o Brexit (trocadilho em inglês para britain e exit ou saída britânica). 

Antes, um pequeno contexto histórico: o tratamento um tanto frio entre os dois países remonta aos séculos 14 e 15, período em guerriaram várias vezes por território.  Porém, em 1944, com a libertação de Paris do domínio nazista, ingleses e franceses, se abraçaram e compartilharam do mesmo sentimento, o de derrotar o inimigo comum Adolf Hitler. O que era rivalidade hoje é só uma certa antipatia meio verdadeira, meio cultivada artificiamente, dependendo da pessoa.

Conversei com técnicos do governo e trabalhadores comuns. "Não queremos que aconteça esta saída da Inglaterra da União Europeia. Indiretamente, haveria mudança no jogo comercial e orçamentário", disse, meio blasé, Jean-Luc Dairien, diretor do Instituto Nacional de l'Origine et de la Qualité (uma agência oficial que promove a certificação de produtos agrícolas. Mas se acontecer?, insisti: "Continuaremos vendendo vinho para eles. E, espero, comprando menos uísque", respondeu sorrindo e encerrou o papo.

Diplomata e chefe do departamento de imprensa do ministério equivalente ao nosso Ministério de Relações Exteriores, Gaël Veyssiere destaca dois pontos: "Primeiro, a decisão cabe ao povo britânico. Segundo: queremos que o Reino Unido continue na União Europeia."

De fato, o presidente François Holande já conversou mais de uma vez com o primeiro-ministro David Cameron sobre os reflexos negativos de uma vitória do Brexit. O que mais preocupa a França é um eventual endurecimento do Reino Unido com a questão dos refugiados, o que, de tabela, aumentaria o fluxo dos desvalidos para Paris e arredores.

Saindo um pouco da esfera oficial, falei com uma funcionária pública parisiense que morou 12 anos em São Luiz do Maranhã. Pedindo para que não revelasse seu nome, sintetizou: "Nossa relação com eles é de amor e ódio. Mas não queremos que eles (os britânicos) saiam porque vai dar muito trabalho reformular contratos".

À recepcionista do hotel onde estou, portuguesa do Porto, perguntei se haveria implicações no turismo. "Brexit, o que é?". Expliquei. Perguntou, então, porque os ingleses queriam sair da União Europeia. Eu disse que, em campanha eleitoral no ano passado, David Cameron prometeu o plebiscito para acalmar aqueles que acham que a União Europeia prejudica o bem-estar do cidadão britânico. Ela deu de ombros. Ainda tentei conversar sobre o assunto com um grupo que bebia no bar, mas era domingo passado, dia em que a França encarou a Suíça na Eurocopa. "Vamos falar do jogo?", pediu um torcedor, bandeira da França pintada no rosto. É melhor mesmo, repondi.

Ao final,  minha conclusão sobre tudo isso:  o governo tem suas razões para ser favorável à permanência do Reino Unido. Todos ganhariam. Para o francês comum, entretanto, o sentimento é algo do tipo: "Se quiserem sair, que saiam".

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