Como sair do meio das mortes da periferia para o Facebook

Wesley Barbosa passou pela Irlanda, China e Inglaterra depois que saiu do Vergel do Lago, em Maceió, e diz que é preciso dar estrutura para os jovens viverem seus sonhos
Emídia Felipe
Publicado em 16/08/2015 às 13:02
Wesley Barbosa passou pela Irlanda, China e Inglaterra depois que saiu do Vergel do Lago, em Maceió, e diz que é preciso dar estrutura para os jovens viverem seus sonhos Foto: Diego Nigro/JC Imagem


Wesley Barbosa, 29 anos, tem um sonho: montar uma escola e um restaurante no bairro de Vergel do Lago, periferia de Maceió. “Educação e alimentação, que está vinculada à saúde”, diz o líder de Desenvolvimento de Mercados do Facebook no Brasil, ao simplificar, em uma frase, tudo o que ele queria ter anos atrás. Para perseguir os sonhos naquela época, ele precisou roubar comida dos colegas com quem dividia uma casa e engolir em seco humilhações duras por ser pobre. Ainda assim, sua força de vontade o levou à Irlanda, à Inglaterra e à China, de onde trouxe o Baidu (o “Google Chinês”) e o jogo social Colheita Feliz ao Brasil.

“Desenrolado” desde sempre e filho de mãe solteira, Wesley sabe que é uma exceção. “Cresci no pior lugar para ser um homem negro entre 16 e 24 anos. Num lugar onde chegou a ter 70 mortes por 100 mil habitantes, quando se considera alto um índice de 10 mortes a cada 100 mil”, relatou o especialista, que já estudou em Harvard e hoje mora em São Paulo. “Meu destino era virar estatística. Um amigo meu morreu e, no velório, o pai dele olhou pra mim chorando e me disse que o próximo era eu”, relembra.

A exceção que ele se tornou ao ser escolhido como executivo de empresas de tecnologia na China, com pouco mais de 20 anos, foi construída com muitos ingredientes. Alguns indigestos. Quando mais jovem, quis aprender inglês por ficar muito chateado quando não conseguiu entender dois “gringos” conversando na praia. “E se eles estivessem falando mal de mim?”.

A mãe o matriculou em um curso tradicional de idiomas e, depois de um ano e meio de curso, ele descobriu que ela nunca tinha pago uma mensalidade. “A coordenadora me tirou da sala de aula e falou que eu não podia mais ficar lá. E disse à minha mãe que ela nunca deveria colocar os filhos para estudar onde não pudesse pagar, porque existiam espaços que a minha mãe devia ocupar de acordo com o perfil social dela. Foi uma das maiores humilhações da minha vida”. Ao resgatar o histórico de Wesley e ver que suas notas eram quase todas 10 – somente um 9,7 –, a gestora voltou atrás, pediu para que ele ficasse e lhe ofereceu uma bolsa de estudos.

Esse foi um dos primeiros momentos que Wesley tem como um marco de como a educação direcionou sua vida. Por isso, ele acredita que é possível mudar a rota de jovens em quem muitos só veem mais estatísticas.

ESTRUTURA - Para Wesley Barbosa, o mundo não pode ficar esperando pelas exceções. É preciso dar condições para que mais jovens possam se desenvolver e viver seus próprios sonhos. “Hoje nós temos muito conteúdo gratuito à disposição e esses jovens estão preparados para ele, mas faltam ferramentas para que essa absorção possa acontecer. Eles têm acesso ao celular, mas o celular e a conexão não têm qualidade o suficiente para que possam aproveitar esse conteúdo”.

Ele acredita que as vias mais rápidas para que isso aconteça passam por iniciativas privadas. “Esperar pelo governo vai demorar demais, o que é até normal em países em desenvolvimento”, comenta, ao destacar o trabalho de entidades como o Instituto João Carlos Paes Mendonça (IJCPM), onde ele fez uma palestra para 180 jovens na semana passada e dos quais será conselheiro de carreira. “Temos que colocar estruturas como essa à disposição da sociedade”, reforça. O instituto trabalha com comunidades do entorno dos empreendimentos do grupo JCPM.

Uma análise que nos faz voltar ao sonho de Wesley de levar a escola e o restaurante à periferia. “Quero chegar num patamar que, quando a pessoa vier buscar ajuda, eu não apenas fale pra ela como melhorar, mas também lhe dê condições, lhe dê estrutura para que isso aconteça.”

Quando fala em dar condições, Wesley, que tem 1,90 metro e pesa 112 kg, lembra que chegou a pesar pouco mais de 70 kg quando morou na Irlanda. Aliás, foi sua primeira viagem internacional – quando ele percebeu que essa não era uma missão impossível por ele ser pobre.

Na verdade, o plano original era o Canadá, mas lhe negaram o visto por faltarem comprovações de renda. Inconformado, voltou à agência de viagens, desenhou um rascunho de mapa-múndi com todos os países de língua inglesa que ele lembrava e perguntou: “Onde eu não preciso de visto?”. Todo o dinheiro que ele conseguiu juntar só deu para viver dignamente durante um mês, mas, ao conhecer um outro extremo da civilização, sabia que precisava ficar mais, mesmo sem dinheiro. O preço? Roubar comida que os colegas da casa onde morava deixavam em armários ou na geladeira. “Demorei a falar publicamente sobre isso, mas aconteceu. Em casa, minha mãe nunca deixou faltar nada. Mas ela abdicava de muita coisa. Não passava fome, mas abdicava de muita coisa”, relembra.

Os futuros escola e restaurante poderão vir com ajuda de outros projetos paralelos de Wesley, que montou uma empresa de palestras e ensino online e também investe em uma startup israelense. No caminho, vai repetindo seu mantra, uma metáfora em cima do procedimento de segurança que o sistema operacional Windows sempre sugere antes de você retirar um pendrive da porta USB: “Nunca tire o pendrive no modo de segurança. Não tenha medo. Simplesmente tire.”

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