Orçamento do governo: uma verdadeira peça de ficção

Governo trabalha com orçamento prevendo receita que dificilmente conseguirá. Mas não se engane: vai sobrar para o contribuinte
editoria de Economia
Publicado em 19/12/2015 às 8:49
Governo trabalha com orçamento prevendo receita que dificilmente conseguirá. Mas não se engane: vai sobrar para o contribuinte Foto: JC Imagem


Se você dissesse que fez suas contas para o próximo ano e vai gastar muito contando com um dinheiro extra que talvez nem apareça na sua carteira, qualquer especialista em finanças pessoais franziria a testa e lhe diria: “Refaça os cálculos e considere só o que você tem certeza que vai receber”. Mas a lógica das finanças pessoais e de empresas privadas, infelizmente, não é a mesma da do governo, que tem o poder de tributar, reduzir investimentos e lançar títulos para se financiar (aumentando a dívida que todos nós pagamos).

Em seu orçamento, aprovado anteontem, o governo Dilma Rousseff está contando com a polêmica recriação da CPMF para arrecadar R$ 10,3 bilhões. Essa aposta em algo que está longe de ser concretizado, acredite, é permitida por lei. E se a CPMF não sair, a pressão por novos tributos e cortes na máquina pública e em programas sociais vai aumentar. Só para se ter uma ideia, o governo pode, sem precisar do Congresso, decretar a volta da Cide, o imposto dos combustíveis e, desta forma, sacrificando os consumidores, tentar aproximar despesas e receitas.

“É normal, no orçamento, o Congresso superestimar receitas. É tão comum que se fala em ‘peça de ficção’”, comenta o economista Pedro Jucá Maciel, assessor parlamentar da área econômica com pós-doutorado na Stanford University. Ele esclarece que o que se executa, de fato, é muito pouco. “Na verdade, o relator deste ano realmente tentou fazer algo mais ‘pé no chão’”, pontua.

Ao reforçar que a previsão de uma receita ainda inexistente é uma prática comum e legal, o também economista Maurício Romão, PhD pela Universidade de Illinois, critica o modo “atabalhoado” como o governo federal vem conduzindo os fatores que levaram à construção final do orçamento. “É um erro criar algo para cobrir um rombo que ele mesmo criou. Não tem a menor condição de emplacar [A CPMF]”, diz Romão.

Por outro lado, o integrante do Conselho Federal de Economia (Cofecon) Róridan Duarte destaca que terminar o ano com o orçamento fechado é salutar para o Brasil. “Não se tinha muita expectativa sobre o orçamento em si. A discussão era se haveria superávit [meta para pagar dívida] e houve. Isso por si só é importante. Agora é iniciar o ano de fato perseguindo essa meta”, opina Róridan, ao referir-se à meta de superávit primário fechada em 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 30,5 bilhões.

CPMF - Em “pausa” desde 2007, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) incidia sobre quase todas as movimentações bancárias e foi criada inicialmente para gerar uma nova fonte de recursos para a saúde, mas acabou sendo estendida para outros fins, como Previdência e Tesouro Nacional. No último ano em que foi arrecadada, rendeu R$ 37,2 bilhões, de um total de R$ 223 bilhões nos 11 anos em que existiu – era para ser temporária, mas foi renovada várias vezes.

Esse resumo mostra, grosso modo, porque há tanta discussão em cima da volta da CPMF. Os economistas ouvidos pela reportagem têm visões distintas sobre o futuro da contribuição. Pedro Jucá Maciel e Maurício Romão não acreditam na recriação, tendo em vista a resistência contra um novo imposto sobre a população e as incertezas sobre a duração da cobrança e a destinação dos recursos. Já Róridan Duarte defende que o governo tem que insistir na CPMF como um meio importante para fortalecer o caixa, enfraquecido pela queda de arrecadação de impostos ligados à atividade econômica, e combater a sonegação. Em 2000, o tributo foi usado pelo governo para rastrear sonegadores, através do cruzamento de dados das movimentações financeiras com o Imposto de Renda.

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